SAUDADES DE MEU GRANDE PAI

Lêda Torre

1981. Manhã nublada daquele dia 31 de outubro, 6 horas da manhã...esperávamos nosso pai, chegar da capital. Minha mãe, enfermeira do Hospital Carlos Macieira, ali em Colinas Ma.,ainda descansava, de uma jornada de plantão, exaustiva do dia anterior.

Eu, como a filha mais velha das meninas, já de pé, acordava sempre cedo, não tivera muito tempo de dormir na vida, sempre tive a responsabilidade de filha primogênita, de conduzir as tarefas da casa e cuidar dos irmãos menores; segundo determinado por dona Creuza minha mãe, um catatau de tarefas me esperava para aquele dia e, eu me levantava e chamava logo minha irmã depois de mim, a Julinha, a minha grande ajudadora. tudo fazia com perfeição. Junto, o filho mais velho de todos, de nome José Fernando, que carinhosamente o chamamos até hoje, de Dedé, também estava pronto para executar sua parte; todas programadas no dia anterior por nossa mãe.

Começaríamos por varrer o grande quintal, que me lembro seu tamanho corresponderia a uns quase noventa metros de fundo, por mais de trinta de frente; ali eram plantadas árvores frutíferas, que caiam muitas folhas secas, e depois de varrido aquele enorme quintal, queimávamos as tais folhas. O resto das cinzas com mais alguns restos de lixo, colocávamos numa enorme cratera que era gerada de escavações que pedreiros faziam quando tiravam o barro para fazer "adobe" de construir muros, e ali enchíamos com entulhos de pedras, cacos de telhas, etc. Aquela cratera chamávamos de "barreiro", e ficava no fundo do quintal.

Depois do quintalzão limpo, após colocarmos água e comida para as galinhas, a próxima tarefa seria "pisar" arroz num pilão feito de tronco de árvore, peça fundamental ainda hoje, nas cozinhas nordestinas; arroz que já estava de molho de véspera e espalhado no "kibano'" tipo peneira, também de bambu, bom para colocar o arroz do cuscuz em forma de xerém, e de catar as sujeirinhas que vem no arroz, coisas do interior, que tenho, por sinal, muita saudade, peça para escorrer a água que por ventura ficasse, e ali semi úmido o "xerém", pisávamos no pilão de duas "mãos" de pilão, até tirar a massa, o fubá do arroz, que se faz um cuscuz branco posto no prato e enrolado no pano de prato; após termos colocado o sal e molhado um pouco a massa, que com o azeite de coco, é uma delícia! e com leite de vaca então, hum....hum...dá até água na boca, pode crê!

Naquele tempo, se fazia cuscuz assim, não havia a cuscuzeira; e em vez de manteiga ou margarina, o azeite do babaçu temperava o tal cuscuz, aquele era o nosso "quebra-jejum" de vez em quando, pois nos outros dias, eram : beiju, feito de tapioca, ou bolo de macaxeira, ou de puba, dentre outros. O pãp não era comum; fomos conhecer pão bem depois, não era cultura daquela época ali naquela cidade.

Pois bem, a terceira tarefa, foi apanhar um frango bem grande, separado para fazer o almoço para nosso pai, que haveria de chegar naquele dia, como supúnhamos, e estava certo. Eu, o Dedé e a Julinha, levantávamos bem cedo, mais ou menos de cinco e meia a seis e meia mais ou menos, e nunca reclamávamos, afinal ordem da nossa mãe, era ordem e pronto! quem haveria de desobedecer?

A chegada do nosso pai, seria uma festa se não fosse infelizmente o dia da sua chegada pelas mãos de outrem, morto, de forma surpresa e triste! Já eram mais ou menos sete da manhão, quando fomos atender a uns toques na porta da frente da casa, e nos deparamos com uma colega da minha mãe, também enfermeira, já vinda do hospital, por onde o carro que trazia meu pai, de São Luis, nunca me esqueci, um "aerowills" de cor vinho, com o vizinho de nome Salvador, todos com o semblante muito triste para avisar-nos do ocorrido...o corpo de meu pai estava vindo de São luis, ele tivera um derrame cerebral e por ventura lá no Hospital onde ele foi levado, um amigo de minha mãe, colega de trabalho, viu aquela cena e perguntou quem era e de onde, reconhecendo nosso pai, já morto. E como não havia conhecidos por ali , a direção do dito hospital, não sabiam o que fazer com o morto, foi quando o Sr. Antônio Afrísio, assumiu o caso e trouxe-nos o nosso pai para ser enterrado lá em Colinas...

O semblante deles, ainda não haviam mostrado o carro...ficara meio afastado...e com rodeisos...minha mãe se levantou logo, e percebendo a cena embaraçada...foi direto ao assunto: -" cadê meu marido? aconteceu alguma coisa com ele?..digam-me logo por favor...quero saber o que aconteceu... foi quando mostraram aquele carro estranho e diferente ali, e foi logo gritando aos berros...e nós adolescentes...seguimos a nossa mãe...todos descontrolados...sem rumo...o dia nublado, parecia compartilhar conosco naquele momento de dor....

________São Luis, 23/06/2021__________

Lêda Torre
Enviado por Lêda Torre em 04/01/2011
Reeditado em 23/06/2021
Código do texto: T2709321
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