ROTINA DE UM FUNCIONÁRIO PÚBLICO

De segunda a sexta acontece a mesma coisa na vida de um humilde funcionário público como eu. Levantar as seis, me arrumar e sair seis e meia. Chego no trabalho pego um cafezinho, paquero a secretária gostosa do patrão e começo a desenrolar a papelada na burocracia nossa de cada dia. Ouço as mesmas histórias, a víuva pedindo ajuda pra coseguir a pensão, a mãe achando que o filho é inocente e querendo soltá-lo da cadeia, a mulher de oito filhos querendo a pensão dos oitos pais... É um inferno. Volto pra casa mas ou menos sete da noite, vou jantar e dormir; lá se foi minha segunda-feira.

Terça: Levantar as seis, me arrumar e sair seis e meia. Chegar no trabalho no mesmo horário, pegar um cafezinho, paquerar a secretária gostosa do patrão e começar a desenrolar a papelada na burocracia nossa de cada dia. Ouvir as mesmas histórias, a víuva pedindo ajuda pra coseguir a pensão, a mãe achando que o filho é inocente e querendo soltá-lo da cadeia pra ele voltar a fazer tudo que fazia antes, a mulher de oito filhos querendo a pensão dos oitos pais... Voltar pra casa mas ou menos sete da noite, vou jantar e dormir; lá se foi minha terça-feira. Não vou repetir a a quarta, quinta e sexta se não fica cansativo, mas é tudo é a mesma coisa da segunda e a terça.

É uma rotina cansativa, ir para o trabalho na hora, chegar do trabalho na hora, despachar a papelada na hora, paquerar a secretária na hora. É enjoativo. Quando chega sábado é dia de mais trabalho. É dia de organizar tudo pra segunda-feira está com tudo pronto. Mas o domingo! Ah, o domingo! Dia de não se fazer nada, dia de ficar de pernas pro ar, ouvir uma boa música e tomar um cervejinha. Quem dera o domingo de um pobre funcionário público com 45 anos de idade fosse assim! Vou compartilhar com você, amado leitor, a loucura que é meu domingo.

Gostaria e dormir até as 10 horas, mas infelizmente meu corpo já está acostumado a levantar cedo, consigo no máximo dormir até as 8 da manhã. Levanto com o rosto amassado e minha esposa me diz que a grama do jardim está grande. Com pena de desperdiçar meu precioso dinheiro pagando alguém pra fazer, eu mesmo podo a grama, sem qualquer experiência, a grama acaba me dando uma surra. Mas eu deixo tudo bonitinho, e já são 10 horas. Penso em descansar, pois o trabalho com a grama já está feito. Meu filho quer que eu o leve à pracinha - o amado leitor pode admitir que levar criança a pracinha é um tédio – ele começa a brincar com as outras crianças, sento num banco e começo a maratona:

-Pai, o moço do sorvete – corro e compro o sorvete pro menino.

-Pai, o moço do balão – corro e compro o balão.

-Pai, o moço da pipoca – corro e compro a pipoca, já estou cansado.

Levo o menino pra casa, não aguento mais. Já gastei muito. E já estamos na metade do dia! Que felicidade! “Agora vou descansar” pensei. Quando eis que a campainha toca e surge a sogra. Particularmente eu quero bem a minha sogra, bem longe de mim. A simpática senhora já entra perguntando porque estou deitado no sofá, porque estou sem camisa e a última é a que mais irrita, porque estou tão gordo. Respondo apenas com o sorriso sem graça, mas por dentro algo a manda para o inferno. Começamos a almoçar, a velha fala do crochê; da amiga que morreu tão cedo, aos 95 anos; da ginástica e principalmente mal da minha pessoa. Penso em como eu gostaria que hoje fosse um dia útil, prefiro estar trabalhando. Fico com a cabeça e cheia, me retiro da mesa e vou para o barzinho da esquina, porque sogra é igual a minha cervejinha, só presta gelada em cima da mesa. Chego no bar uma hora da tarde e peço a minha cerveja. Aí vem um camarada:

- Tá torcendo pra qual time hoje à tarde? – Pergunta o sujeito.

-Eu não gosto de futebol – respondi educadamente.

- Pera aí, você mora no país do futebol e não gosta? – Continua insistindo o sujeito.

-Não vamos generalizar, nem todos gostam de futebol – respondi – agora você pode me dar licença e deixa eu tomar a minha cervejinha em paz?

O sujeito se retira e fico em paz, até que chega o próximo:

- Tem uma moça que tá afim de você! – Disse o sujeito.

- Sou casado e nunca traí minha esposa – As vezes sou obrigado a mentir.

- Mas ela está te olhando pra você, na mesa ao lado – Insistiu o homem.

Confesso que tive uma certa curiosidade. Quando eu olhei, tive a conclusão de que ela era uma miss... Misserável! A mulher era mais feia do que briga de foice. Pra mim aquilo foi a gota d’água. Eu quero o meu patrão, eu quero a secretária dele, eu quero a papelada burocrática.

Volto pra casa e ainda são três da tarde. A sogra ainda está em casa. Entro em casa a distinta senhora pergunta se eu estava com outra no bar; mando ela para alguns lugares que tenho vergonha que o amado leitor veja. Vou para o quarto, começo a pensar como eu sou feliz de segunda à sexta, de como o trabalho me faz bem, como eu queria estar secando as lágrimas das mães desesperadas, como eu queria mergulhar no grande e intenso mar da burocracia e como eu queria grampear a secretária... Grampear a secretária? Eu falei isso? Deixa em off.

Ligo a televisão, um apresentador chato e sem educação. Mudo de canal, um filme que já vi 300 vezes e não quero ver pela 301 vez. Passo por dez canais de futebol. Desligo a televisão e fico olhando a parede e ouvindo o tic-tac do relógio. E vou pedindo ao relógio para que as horas passem mais depressa, quero voltar a trabalhar. E assim eu fico até domir.

Acordo quatro da manhã, tonto de felicidade, afinal é segunda. Vou para o chuveiro cantarolando, me arrumo pensando no que vou dizer ao meu chefe: “Chefe, eu não consigo viver sem você”; pensando no que falarei pra secretária do chefe: “De segunda à sexta sou teu, sábado e domingo da patroa”, o que eu poderia dizer para a minha sala “Bom dia, papelada! Eu amo vocês!”. E assim vou saio até mais cedo de casa, a rua está deserta. Como são 5 da manhã, continuo o meu caminho. O ônibus está demorando, mas depois de meia hora aparece um. Fico assustado porque as ruas estão vazias, mas a minha felicidade de voltar a trabalhar é tão grande que quero mais é chegar no meu trabalho.

Finalmente eu cheguei, estranhei pois tudo está fechado . Espero uns minutos, sento num banco e resolvo ver os meus compromissos. Não acredito! Olho novamente para a agenda e solto um extenso grito de aflição, volto porque hoje é feriado. Volto para casa para mais um entediante dia. Essa é a minha cina, a dura rotina de um funcionário público.

Victor Terra
Enviado por Victor Terra em 05/01/2011
Reeditado em 06/01/2011
Código do texto: T2709976
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