Um olhar para o Bem

Durante muito tempo não olhei para o bem, para o amor. Não que eu fosse um ser humano mau, não é isso. Mas creio que sempre tive uma postura egoísta no mundo. Apesar de me crer ideologicamente socialista, nunca fui de exercitar o bem querer coletivo, de olhar as pessoas de modo amoroso ou solidário. Muito ao contrario, sempre foi aguçado em mim um olhar crítico e pessimista para os agrupamentos humanos e para o indivíduo. Continuo ainda muito crítico com relação a tudo. Sou portador de um ceticismo aguçado para as construções e, muito mais, para as intenções humanas. Em verdade não quero abrir mão de um olhar crítico para o mundo, pois acho que não exercitar a crítica é alienar-se em uma perspectiva ingênua e estúpida na condição de ser/estar no mundo.

Não obstante meu olhar crítico, estive pensando que às vezes o que nos leva a uma perspectiva negativista e pessimista do mundo é uma opção no modo de olhar. Há várias maneiras, ou melhor, vários ângulos nos quais um objeto pode ser olhado, analisado. Há a perspectiva crítica, negativista, pessimista. Há também perspectivas alienadas, desinteressadas, positivas, amorosas, etc. Neste momento, busco uma outra perspectiva de olhar o mundo, de sentir e sentir-me no mundo, de estar no mundo e com as pessoas. A perspectiva do bem, do amor, da solidariedade, da positividade, na crença no movimento de construção e progresso da humanidade.

Estou em um momento meio místico. Não, este não é o termo adequado. Estou em um momento espiritualista, talvez. Fiz uma opção agora de mudar meu foco, minha maneira de sentir e de estar no mundo e com as pessoas. Interessa-me o que as pessoas têm e fazem de bom. Ninguém é de todo mau e tampouco de todo bom. Creio que as pessoas têm potenciais imensos dentro de si, tanto para o bem quanto para o mal. Elas fazem opções, em sua forma de se relacionar com o mundo. A maioria de nós se isola em nossos mundos particulares, amando nossos amigos e familiares, nos fechando em nossos casulos e nossas casas, vivendo a vida de modo egoísta e individualista. Eu sou assim também. Não me coloco como diferente ou melhor que qualquer um.

Mas algo aconteceu comigo. Há pouco algo me forçou a fazer uma opção. Uma outra opção. Tive uma experiência muito forte, onde me fui defrontado com o mal de uma maneira muito próxima. Esta experiência, como tudo na vida, teve seus aspectos positivos, e serviu-me de aprendizado. Ela serviu para me redirecionar no mundo, colocando-me em uma posição de “religamento’ com aspectos da existência dos quais eu havia me afastado, e até me esquecido. Serviu-me para redirecionar meu olhar para o bem, para a prática da caridade, do amor, da serenidade, da paciência, da contemplação. Sinto hoje em um momento de “religação” com minha espiritualidade perdida em anos e anos de deboche, de descrença, de ceticismo absoluto. Ao deparar-me com o mal vi que sua antítese também existe: o amor, o bem. E sinto que preciso me fortalecer espiritualmente no exercício do bem, do doar-se. Quero encher-me de benquerenças, de virtudes, quero cultivar a amizade, a caridade, encher de positividades, quero deixar-me inundar de amor!

Estou sentindo emoções e sensações que eram comuns em minha infância e adolescência. Lembro quando me deslumbrava, ainda menino, debruçado na janela de meu quarto, à noite, a olhar para o céu e vislumbrar a infinidade de pontos luminosos lá em cima. Invadia-me uma sensação de integração com o cosmo, com o universo. Lógico que eu assim não definia o que sentia: Apenas uma forte emoção me tomava, e eu me via chorando de alegria e emoção por existir. Depois, na adolescência, tive algumas experiências religiosas que mexeram com a minha emoção e me encheram de verdades e certezas na vida. Senti em mim a sensação do divino, de ser uma criatura de Deus, a existência de Deus em minha vida. E como me emocionava, como exaltava de júbilo e felicidade.

Com o passar dos anos fui me tornando cético e egoísta. Aproximei-me de concepções ideológicas de esquerda, anarquistas, socialistas. Militei no movimento estudantil, dei alguns passos no movimento sindical, filiei-me a um partido político de esquerda. Um contrasenso: Quanto mais eu me via de esquerda, mais restrições e mesmo repulsa sentia pelos meus semelhantes.

Estou me sentido em processo de religamento com a espiritualidade. Sinto-me aproximar de mim mesmo, do sopro divino que há mim. Busco agora crescer espiritualmente, em virtude e em amor. Para isso, bastou apenas mudar meu foco de olhar, mudar a perspectiva de me relacionar com as pessoas. Não foi, não é, não está sendo um movimento simples. Na verdade nasceu de uma dificuldade, de uma tormenta. Ainda há em mim um forte ranço de ceticismo. Ainda há em mim muitas inseguranças, dúvidas e inquietações. Mas me decidi: Vou olhar para as grandes construções e para o progresso do homem e a maravilhosa grandiloqüência da natureza. Mais ou menos como quando viajo de avião: Quando estou acima das nuvens, reflito na grandeza do homem em sua capacidade de construir uma máquina que voa e que nos desloca a grandes distâncias em tempos curtos. Constato quão diminuto é o homem, pois me vejo pequenino lá de cima, olhando para o mar, os penhascos e as montanhas, lá de cima. Tudo é tão pequenino, eu sou tão pequenino, e qualquer falha naquela máquina voadora provavelmente determinará meu fim imediato.

Não estou sendo simplista. Não estou sendo maniqueísta. Acho que nós humanos somos deveras complexos. Há muito de espetacular em nós. Somos carnes, sangue, vísceras, pensamento, arte, morte, espírito, construção, destruição, vida! Creio que tudo depende de nossa perspectiva de sentir, de estar, de olhar. Eu quero sentir, viver o bem. Eu me propus um olhar para o bem!

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 09/01/2011
Reeditado em 10/01/2011
Código do texto: T2719409
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