chuva

a chuva inesperada é boa pra sentir a levada vida lavada. o tudo lá fora se modifica com as gotas do céu. o dentro da gente também. o dia não é o mesmo dia das brisas mornas. um amor imaculado o coração amolece, o pensamento deseja refúgio e principia a emergir das profundezas da alma uma saudade sem explicação direita. a garganta é invadida por um amargo, e a saudade do nada, que no fundo a gente sabe de onde, é aguçadamente salgada pelo refletido brilho da rua.

nas calçadas, movimentos de corpos nebulosos são distorcidas serpentes amorfas mexendo nas poças e, abandonadas, convidam o outono a cobri-las com o manto que voa. vai ver que as chuvas outonais são pra tecer manto no coração dos homens também. pra tecer, lavar e fazer voltar um tempo bom abaixo de chuva.

jaz no chão um colorido vindo das copas das árvores. as folhas multiétnicas misturam-se em pé de igualdade e, na simplicidade de suas formas, dão luz ao belo em cima das lajes. nascem filhas da beleza na água - e mortas dão um sentido vivo aos olhos. os cabelos caídos das árvores dão beleza à vida. então por que insistir em varrê-las no outro dia?

escondam as vassouras dos varredores depois que a chuva passar! o vento sopra depois.

as entapetadas ruas sem os homens parecem finalmente revelar-se mais inteiras no vazio do silêncio, e longe do papel de cumprir o ir e vir dos passos, são o túnel mais poético para o amor proibido se encontrar às escondidas.

mariana nisemblat
Enviado por mariana nisemblat em 24/10/2006
Código do texto: T272350