FAROFA DE TATU

Casamentos serão depois lembrados não somente por imagens gravadas em álbuns e filmes, como pela graça de fatos que escapam ao controle do cerimonial. O noivo que na hora da onça beber água arranja um desarranjo no intestino (e, de costume, igreja não tem banheiro!). A noiva que passou o dia todo se produzindo no salão de beleza - sem comer, nem beber - e iniciada a cerimônia tonteia e desaba aos pés do padre. A menininha, engraçadinha, que carrega as alianças e no meio da igreja embirra e chora chamando pela mamãe. O celebrante que fazendo vários casamentos no mesmo dia, confuso troca os nomes dos casais...

Não faltam, igualmente, outras lembranças para frequentar nosso imaginário originadas em recepções e festas. Ainda que se organizem, seguranças e garçons passam batidos: tem aquele tio - boa praça - que, desacostumado, exagera nos licores de cevada e cana, e sentindo-se novamente garotão constrange ao dançar subido na mesa; tem a amigona entrada em anos (sinônimo politicamente correto para coroa encalhada), que no momento de pegar o buquê da noiva, desesperada atropela as companheiras-concorrentes; tem festa com chope morno e carne crua...

No casamento da Dinoralva mais o compadre Adauto correu tudo nos trinques, tirante que a cerimônia do 'sim' foi em Bom Despacho e a recepção no vilarejo do Engenho do Ribeiro. Vinte quilômetros de estrada não fariam diferença, se na ocasião a rodovia fosse asfaltada. Há quem reclame de tudo! Mas o farturão dos comes e bebes, juntado à boa paz de convidados e anfitriões, compensou. Foi daquelas festas de casamento que eu não perderia por nada no mundo, como não perdi; nem o Zé Maurício perdeu, também.

Noite alta e céu risonho a patroa, os meninos e eu decidimos voltar pra casa. Pelo toque da sanfona a festança ia até o sol romper. Não fui o único a ter cuidado em pegar caminho mais cedo, querendo evitar poeira de carro alheio. Nas imediações da Ressaca - entre a Gurita e a Lagoa do Peixe - há uma retona boa para acelerar. Mal-inclinado, assim fiz! De repente, o pneu da frente passou por cima de alguma coisa mais sólida. No toadão, e enquanto discutíamos se valeria a pena voltar para ter certeza de que não fosse um tatu sonâmbulo, manobrei o Santanão velho-de-guerra bem adiante. Justamente, quando lá atrás, em meio à poeira - igual fumaça deixada por avião a jato no céu - vi as luzes de outro veículo. Sem piedade bati farol alto, liguei faroletes, setas, pisca de alarme e pisei fundo para chegar primeiro aonde meu carro fora tacado pro alto. Nisto, o outro motorista fez meia-volta na rodovia e me jogando terra no pára-brisa fugiu, decerto temente que o luzeiro viesse de viatura da PM. Tá mais perigoso ir pra cadeia por haver matado um tatu, do que um homem... No local do baque havia manchas de sangue.

Na segunda-feira seguinte, o Zé Maurício me telefonou contando vantagens de como despistara uma patrulha rodoviária, ao voltar do casório. E, melhor ainda, que depois do serviço eu não deixasse de passar na sua casa, para um aperitivo de certa caninha de Januária rebatido com farofa de... Adivinhem se não era do meu tatu?!

Há um mês casei meu filho! Meu filho casou-se há um mês! Não sei qual forma está correta. Certo está que se um gatuno não furtasse a aparelhagem de som da Igreja Matriz (logo na véspera do casamento dele), e um DJ não lhe emprestasse o equipamento com que anima 'eventos' na cidade, mas que na hora da cerimônia solene - acostumado ao escuro de bailinhos 'engoma-cueca' - pifou comprometedoramente... eu não saberia terminar esta crônica.

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 16/01/2011
Reeditado em 14/03/2011
Código do texto: T2732940