PERDIDO NO TEMPO
 
Sou do tempo das costeletas. Do tempo em que o homem curtia mulher (sem dividir a conta) e não a ecologia e outros homens - ninguém admitia ser chamado de afeminado ou de mariquinha e, diga-se de passagem, só as mulheres usavam brinquinhos... "Vem cá se você é homem" - e o outro ia. Trocavam ombradas de cara torta - tudo exibição ridícula, porém autêntica. Do tempo da cortesia com as mocinhas, da boa educação, do elogio, do galanteio, do flerte e do tempo em que se usavam as palavras: broto e balzaquiana.
Sou do tempo dos filmes de bang-bang, das comédias de costumes, brasileiras e italianas, do sonho da Zona Sul, da bossa-nova, das festinhas de terno, aos sábados, embaladas a cuba-libre e roquinhos americanos com coro no fundo.
Havia também o rock-balada, o beijo na boca, passeios de mãos dadas, o noivado, os namoros desfeitos, tantos quantos fossem necessários para manter a possibilidade ilusória de encontrar a prometida, as normalistas, a ginástica de aparelhos, a Rua Montenegro, as praias do Arpoador e do Castelinho e o glamour de ir à sorveteria Bob's aos domingos, lá pelas seis da tarde.
Era o tempo do mistério das pequenas coisas que se transformavam em promessas de grandes sensações, das expectativas do vir a ser. Era o tempo das ilusões inúteis - mas úteis enquanto ilusões. Profundas ilusões baseadas numa fantasiosa esperança íntima, sem vínculo com a realidade. Se me detenho nestas considerações é para registrar, no tempo, o meu tempo. É a forma que encontrei para transmitir que um dia... uma época... mesmo sem o saber tive o meu tempo.

 
(do livro de humor reflexivo "Sexo, Mulheres e Ecologia" de Luiz Otávio)
 
Karpot
Enviado por Karpot em 18/01/2011
Reeditado em 18/09/2013
Código do texto: T2736378
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