Dibujo Barata grande pintado por DIGO

         Todos temos medo, em algum momento da vida. Medo de solidão,  doença,  perder alguma pessoa querida,  enfrentar uma situação nova, de se entregar a uma paixão, de cachorro,cobras, etc. Alguns medos são justificados, outros não.
         Eu havia acabado de me divorciar e, pela primeira vez, estava tendo que me virar e resolver qualquer problema que me aparecesse, fosse relativo a domésticos, financeiros ou existenciais. Saí-me bem em todos esses quesitos. Estava me sentindo a própria rainha da cocada preta. No entanto havia um problema que eu não tinha a menor competência para resolver: enfrentar uma barata. Estávamos em pleno verão e a noite quente parece que desperta, nas baratas, uma vontade irresistível de passear. Tudo bem, elas têm direito como qualquer habitante desse planeta. O que elas não sabem é o pavor que  despertam, e é ótimo que continuem sem saber, uma vez que,  se soubessem, se tornariam mais poderosas.
         Eu estava lendo na sala, quando entrou uma que só de antena tinha 15 centímetros. Num voo rasante, ela fez uma evolução como se estivesse na avenida, em pleno carnaval, depois se acomodou num dos meus vasos de planta. Eu fiquei paralisada e quase grito por meu ex-marido, que está a quilô-metros de distância. Quem mandou separar? você esqueceu que existem baratas? Agora aguenta, enfrenta e não envergonhe as mulheres corajosas.
         Minha primeira reação foi sair correndo, mas, em tempo, constatei que estava de camisola e não ficaria bem  procurar o porteiro para resolver o “drama”. Levantei-me do sofá sem fazer movimentos bruscos para não assustá-la e fui à área de serviço procurar um inseticida, uma vassoura ou uma metralhadora, objeto pouco provável de ser encontrado na casa de uma mulher que, até hoje, só havia matado formigas e assim mesmo ficado com remorso. Voltei à sala, armada até os dentes, e me aproximei da planta onde ela havia se instalado. Quando apertei o frasco de inseticida a bichinha saiu voando desesperada e eu só faltei ouvir os apelos dela: por favor não me mate! O que será dos meus filhos, aqueles baratinhos lindos, se ficarem órfãos? Eu tenho um recém-nascido que ainda precisa de mim, por favor, please, per favore, s’il vous plaît, bitte. Naturalmente, por não saber a minha nacionalidade, ela usou todos os recursos que dispunha.  Eu juro que a ouvi falando nesses idiomas todos. Isso me comoveu e eu lembrei-me de Franz Kafka e sua meta-morfose: "Quando Gregor Samsa despertou, certa manhã, de um sonho agitado, viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de inseto."
         Meu coração, nessas alturas, já estava completamente acelerado e meu cérebro me perguntava: e se essa barata tiver sido, em outra época, uma linda moça que está apenas esperando um príncipe encantado para transformá-la em mulher?
Ah, não! Que príncipe vai querer beijar a boca de uma barata? Nem que ela diga que se transformará na Gisele Bunchen ele não vai querer.
         Acho que nessa hora, enquanto eu fazia essas elucubrações, ela pressentiu que o melhor seria sair voando e voltar para o seu mundo, uma cobertura dentro do esgoto. Agradeci a Deus essa atitude dela e respirei aliviada. Não é que eu tenha medo de barata. Eu não tenho medo, eu tenho é pânico mesmo.


 
edina bravo
Enviado por edina bravo em 19/01/2011
Reeditado em 02/07/2014
Código do texto: T2738673
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