Big Brother da Morangolândia

A unica coisa que gostava nesta cidade era dos galhos floridos que divisavam minha casa com a vizinha, mas o inbecil do vizinho os ceifou recentemente. De minha varanda, agora posso ver uma parte da pia da cozinha dele, o total da geladeira e duas bocas do fogão. Vejo também a janela do quarto que, aos sábados, é aberta somente após as nove, quando invariavelmente me deparo com ele de cueca vermelha e sua esposa com aquele pijaminha cor de rosa.

Noite dessas, houve uma festa bacana na casa. Mais adivinhei do que vi os carros chegando: todo mundo muito bem ajaezado. Passei boa parte da noite, atrás das cortinas, com meu binóculo, procurando divisar o interior de sua sala, porém o vento balançou bastante a cortina e não foi possível entrever todos os convidados. Fiquei mesmo tentado em mandar um e-mail a ele para que me passasse a lista de quem é quem, quem estava com quem e o que faziam, pois tenho impressão de ter visto gente importante lá. Ocorreu-me até que, quando recebêssemos visita e déssemos muita risada em nosso quintal, eu poderia mandar-lhe uma lista com as melhores piadas. Só para matar a curiosidade dele.

Quinta-feira passada, quando sua esposa estava preparando aquele bolo prestígio e conversava com a nossa vizinha da esquina, em determinado momento, ela perguntou à senhora se já havia colocado fermento, ao que nossa vizinha da esquina respondeu que não se lembrava também. Tive que me conter para não gritar: “sim, você já colocou!”

Após tantos dias de chuva, lá estava minha vizinha, por volta das dez horas da manhã, a tirar a roupa. Do varal, claro. Ela se levanta muito cedo, faz seu trabalho doméstico e, depois disso, entra, coloca seu maiozinho modelito Esther Williams que um dia foi azul, sai no quintal, ou seja, no meu campo de visão e, com uma vassoura, afasta os côcos de cachorro para poder deitar-se e tomar sol. Lá pelas onze e meia, amarra uma toalha na cintura e vai fazer o almoço. Almoça, toma seu banhinho, põe sua roupinha e vai fazer suas comprinhas.

Como latem a noite toda, infernizando a vizinhança, os cachorros aproveitam o restinho do sol que ainda bate no quintal para deitarem-se e dormir, afinal ninguém é de ferro. Deitam-se justamente onde estivera a vizinha. Coitadinhos, se arriscam a pegar uma doença de pele.

Ela regressa por volta das quatro e meia e, ao chegar no portão, seus dezoito vira-latas vão recebe-la com o maior alarido. Nesse momento, seu esposo que já chegou do trabalho, assovia e os cachorros ficam numa dúvida cruel: receber a patroa ou atender o homem? Os mais jovens respondem ao assovio mais rapidamente pois já convencionaram esse ruído ao chamamento para comer, os mais velhos, mais experientes, vão também, porém mais devagar, pois já conhecem o truque – o desapontamento é geral.

Às dezessete e trinta é hora de começar a preparar o jantar. Sinto um cheirinho de tempero: alho, cebola, etc. Meu vizinho pega sua cervejinha, senta-se na porta da cozinha, tira os sapatos e começa a esfregar os pés um no outro. Confesso que não sei se realmente ou psicologicamente chego a sentir o cheiro de chulé com alho.

Isso se repete diariamente e, invariavelmente, nos últimos quinze dias, ele perguntava:

- E aí, veio?

- Não - Era a resposta que ela sempre dava.

Na última terça-feira, ocorreu a mesma cena, porém o diálogo foi diferente. Minha vizinha saiu na porta da cozinha, e disse:

- Benhê, fui buscar o resultado do exame.

- E aí, o que deu? – Ele pergunta.

- Você vai ser papai - Responde ela emocionada.

Tal notícia certamente haverá de ser celebrada numa festa que já antevejo. Muito provavelmente virá aquela sobrinha gostosa deles e, por isso mesmo, vou preparar minha luneta interespacial. Vou também comprar um parzinho de sapatinhos de tricô, caso seja convidado. Mas tenho uma dúvida cruel: compro azul ou rosa?

Eles se abraçam ternamente, o alho queima de uma vez e eu confesso: termino esse texto com os olhos rasos d’água.

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Ao som do Minueto para cordas n°1, de Boccherini, com Bobby McFerrin

Otto M
Enviado por Otto M em 20/01/2011
Reeditado em 24/07/2013
Código do texto: T2740227
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