GUERRA DE AUDIÊNCIA
Promovido no serviço e com mais algum dinheirinho extra, depositado todo mês na conta bancária, aceitei o desafio de trocar Bom Despacho por outra cidade – Ipanema! Como os sonhos não morrem jamais, desembarquei lá ansioso para conhecer belezas que lhe justificassem o nome: de preferência garotas parecidas com aquela imortalizada pelo Vinicius de Moraes, em poema depois musicado por Tom Jobim: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça...”
Naquele mesmo ano, o então presidente dos Estados Unidos - George Bush, pai - declarou guerra ao Iraque (país tão rico em petróleo quanto coberto pde areia); a fim de que os bilionários gastos com armamentos bélicos compensassem os financiadores da sua campanha! Alguns presidentes depois, e outro George - mas igualmente Bush, filho – também norte-americano, por motivos impublicáveis, criminosa e violentamente ocupou de novo a Mesopotâmia (que era como se chamava o Iraque, nos tempos bíblicos). Sete anos se passaram e o exército mais poderoso do planeta continuou atolado, derrotado, naquelas areais escaldantes!
Tanta História, para dizer que na pequena Ipanema (não a praia!) havia duas rádios, e de manhã à noite elas travavam barulhenta guerra por audiência! Semanalmente estreavam programas com a participação dos ouvintes, como aqueles em que são feitas perguntas sobre a vida de jogador de futebol, artista de novela... e quem que for o primeiro a telefonar, respondendo acertadamente, ganha prêmio! Até que certo locutor da WYZK – etílico prefixo, tin-tin! bolou uma jogada de gênio. Se mandou na surdina para o Iraque, como correspondente de guerra! Enquanto grandes emissoras nacionais faziam vaquinha para manter um repórter comum no front, a WYZK, iff! iff! de Ipanema (a cidade!) esnobava o seu exclusivo, em Bagdá! As entradas do radialista “no ar”, dando flashs do conflito viraram assunto obrigatório nas rodinhas. Se no dia a dia cada uma das emissoras se proclamava "a mais ouvida”, daí pra frente a WYZK, glup! glup! bebeu sua concorrente!
Ninguém ignora as dificuldades de comunicação radiofônica, em zonas de combate. Ainda assim, com voz cristalina, sem chieira, cinco vezes durante a programação diária, por telefone o valente repórter narrava os horrores testemunhados no campo de lutas. Todas as guerras são destrutivas, começando pela Guerra do Amor – onde não há vencedor ou vencido: somente corações partidos, almas torturadas... feridas que tempo nenhum cicatriza.
Tomados pela emoção do noticiário, os ouvintes não desconfiavam que o Dábliu Carlos – nome artístico do corajoso correspondente –, na verdade viajara pouco além dos limites municipais de Ipanema (a sertaneja!); haja vista mal falar português. Porém, seu calvário não foi a dificuldade com o idioma e sim fazer que parecessem verídicas as ligações telefônicas – entremeadas com explosões mixurucas. Para simular alguma proximidade a um campo de batalha, o Dábliu Cê estourava bombinhas de são João, ao redor da cabine; e entre soluços e lágrimas de jacaré descrevia cenas dramáticas: soldados mortos, aviões abatidos, tanques incendiados, cidades aos escombros...
Até o dia em que, durante a transmissão “ao vivo do Iraque", os fãs da WYZK, icc! icc! ouviram ao fundo, de um daqueles caminhões que vendem frutas e verduras pelas ruas - numa interferência desastrosa -, alguém anunciar pelo alto-falante: “Abacaxi, tomate, melancia! É no caminhão da economia! Sem agrotóxico! Vem comprar, dona Maria! Baratinho!” Do orelhão próximo, o W. C. irradiava sua guerra fajuta e quase teve um treco! De nada lhe valeu inventar uma tal linha cruzada... No mesmo dia seu “Noticiário Internacional” foi tirado do ar, sem maiores explicações.