Testamento do amor

“Viver foi o bastante para entender que a morte não é só um consolo para os covardes, mas, por merecimento, seu alívio.”

Hoje acordei, como por todas as manhãs desses últimos vinte anos, sem propósito, sem crença e sem alma. Notei que essa manhã, porém, estava diferente das outras - não que meu jardim estivesse mais florido do que antes, ou que meus bens tão sonhados outrora finalmente tivessem trazido-me felicidade e sentido, mas algo batia em meu peito sem o mesmo surto de razão que me acompanhou por tanto tempo. Era algo que mesmo querendo eu não conseguia entender. Tive logo a sensação de que já havia passado por este caminho antes. Será que sonhei ou foi real? triste é não saber que se viveu depois de tantos anos escritos nas linhas de nossa face, não é?

Algo chamou-me até meu jardim – um voz, talvez – depressa corri para ver quem era: era eu.

Passou em minha mente meu filme de um segundo.

Percebi, que em vida, precisei de um e apenas um dia para viver e não de vinte anos. Nesses vinte anos após minha adolescência decepcionante, procurei realizar todos os meus sonhos, menos um. Percebi que havia desperdiçado minha vida atras de meus sonhos de minutos e que nenhum deles fazem diferença agora. Não o realizei pois, bem sabia, que se o procurasse jamais teria alcançado todos os outros sonhos que tinha – ah, como eu fui tolo. Sempre fez sentido buscar aquele sonho, mas nunca entendi que o sentido de viver eu perdi quando não o busquei.

Penso eu agora em entregar tudo o que tenho por um dia de minha vida e nada mais: o dia em que te liguei, meu amor, e disse que tinha sonhos maiores do que você. - tarde de mais.

Lembro-me de como nunca quis dividir meus sonhos com ninguém, com ninguém hipócrita ao menos. Mas sabe, a verdade é que sempre te amei.

Sim, eu deixaria tudo o que tenho e que sempre quis para conquistar aquilo que eu realmente sempre precisei e nunca acordei de meus fúteis sonhos para perceber. - sim, é tarde e eu bem sei.

Notei que tenho tudo que um homem pode querer: carros, casas, influências, bens.... enfim, inúmeros sonhos que poderia dividir contigo e que na verdade nunca os quis pra mim. Vejo que aquele ser sem sonho, com uma casa simples de aluguel, com esposa e filhos e um salário medíocre, tem o que eu nunca pude comprar – ah, como o invejo! - seus sonhos poderiam ser grandes como os meus, ou pequenos como os de um mendigo, mas não o invejo pelo fato de não tê-los realizados ou de apenas dividir seus poucos sonhos com alguém ao seu lado. O invejo por ele ter entendido, mesmo que sem perceber, o que eu só agora entendo: que a vida não é apenas viver de seus sonhos ou de dividi-los com alguém que se ama, mas de fazer de seu maior sonho o sonho de alguém que se ama. - Tenho vontade de fazer um preço por apenas um dia daquela miserável vida dele- . Meu erro foi nunca ter notado ou sequer ter perguntado qual eram os seus sonhos para que eu os realizasse. Custariam muito caro? Já não me importo em saber o preço dos seus, pois hoje conheço e verdadeiro preço dos meus.

Queria poder dizer que você sempre foi meu verdadeiro sonho, mas acordei cedo de mais para a morte e ela já devorou meu coração e fez-me esquecer do quão importante seria viver por você e não morrer sem te ter. Há glória nisso?

Escrevo este testamente hoje, vinte anos antes de cometer o maior erro da minha vida, para que realize meus últimos desejos – que com sinceridade, não me importo que aconteçam desde que você seja feliz.

*Meus carros na garagem, quero que aos dê à cães para que mordam todo o estofado e urinem sobre a lataria.

*meu dinheiro, quero que ponha fogo em cada tostão ( não o deixo a você pois vivi por cada nota e elas nunca fizeram-me feliz, não quero que seja infeliz como eu fui).

*Minhas casas, quero-as abandonadas, vazias e fedendo mofo.

*Com o resto, quero que enterre em meu jardim para que de tudo aquilo um dia possam nascer flores sem espinhos.

Do mais, neste instante estou com aquela arma que sempre guardei em minha gaveta apontada para minha cabeça. - vês como é o destino?

Não que ter amado você seja motivo para fazer isso, não se culpe. Meu motivo é a coisa mais bela que já senti desde ter te amado. E como te amar, eu nunca poderei entendê-lo.

Dia xx/xx/2031

Luan Santana
Enviado por Luan Santana em 25/01/2011
Reeditado em 28/01/2011
Código do texto: T2751233
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.