PARA UMA FLOR, COM AMOR
Partindo do princípio... Até ouço o Professor Majela vociferar de além-túmulo, por eu abrir a crônica com o verbo no gerúndio: - É pobreza de estilo, tapado! Berrava ele, enfurecido, nas aulas de português. Mas fica assim, posto que o assunto de hoje, por íntimo, dispensa que eu me aferre às firulas gramaticais. Certa amiga, para quem faço confidências do coração enquanto ouço-lhe segredos d’alma, queixou-se por não lhe haver dedicado uma crônica apaixonada! Alô, Dr. Robinson – passageiro juramentado destas viagens improváveis –, enfim usei ‘haver’ e não ‘ter’: conquanto este deixe o texto com sabor de doce de goiaba rapado no tacho, ou tutu de feijão cozido em fogão de lenha... Bem caipiras!
Desde antes que se inventassem modernismos, concretismos e outros ‘chatismos’, escritores dedicaram versos e prosas para autoridades civis, militares, eclesiásticas e, em particular, amantes! No Dom Quixote, onde Cervantes delineou o romance como praticado ainda hoje, há mesuras ao Conde de Béjar. Camões ficou cego de um olho, mas de bobo não tinha nada, tanto que enfileirou louvores para suas majestades lusitanas... Na crônica – para muitos um gênero literário menor, espremido entre jornalismo e literatura – cabe dedicatória? Por puro capricho feminino ela exigiu que lhe não citasse o nome, todavia o apelido – Flor – como é tratada no dia-a-dia. Ah, mulheres!...
Na minha distante infância, quando “O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo...” – conforme lido no fantástico Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez –, os Parques de Diversão armados em Bom Despacho, invariavelmente traziam serviço de alto-falante. Por suas cornetas rapazes e moças tomavam coragem e dedicavam uns para outras, em romântico suspense, músicas apaixonadas: “esta envolvente melodia, alguém de camisa volta-ao-mundo oferece para alguém de saia plissada, como prova de afeição...” anunciava o locutor, com voz empostada!
Daí, que as minhas mais antigas lembranças de Parque de Diversão e Circo de Cavalinhos datem de quando morei em Moema – pequena cidade próxima a Bom Despacho –, no finalzinho dos Anos Dourados... E eu era só um menino curioso! Esqueci o nome da Companhia, mas entre suas atrações circenses havia aquela em que no picadeiro, um casal de equilibristas roubava a respiração da platéia... por dois motivos. Enquanto ele sustinha a comprida escada no ombro, subindo por ela a mulher arriscava-se em acrobacias, lá no alto! Contudo, em meus olhos – virgens como nuvens num céu de abril – gravou-se a figura daquele corpo alvo e curvilíneo, recoberto apenas por um maiô grená, bordado com lantejoulas, vidrilhos e franjas douradas!
Demorou pouco, correu a notícia de que ao final dos espetáculos – porque expunha a companheira seminua para olhares cúpidos da platéia, enciumado, bêbado, o artista batia nela. A mulher do maiô grená foi a primeira que frequentou minhas fantasias! Como ignorar hoje a pouca roupa com que elas me atiram na cara sua nudez, em plena rua? Haja devaneios! Então volto a ser o garoto embevecido, e por inconfidências que me escaparam nas crônicas, ouvi: – Você está cada dia mais doido; mas como invejo sua loucura!
Retornando (outro imperdoável gerúndio) a Moema: estudei no Grupo Escolar Caramuru, minha primeira professora foi a D. Lourdes, do Zé Evaristo; ali tomei gosto pelas palavras escritas e suas ideias – como o poema sentimental “A flor e a fonte’, de Vicente de Carvalho. Adulto entendi: a fonte é a vida, e a flor... descubra o leitor: Angélica? Camélia? Dália? Hortência? Margarida? Rosa?...