VÉSPERA DE VIAGEM

Todos nós à medida que envelhecemos vamos adquirindo hábitos, melhor dizendo manias, que acabam por ficar tão enraizadas que é de todo impossível prescindir delas.

Às vésperas da minha viagem ao Rio, que se estenderá até Além Paraíba nas Minas Gerais, preocupo-me, desde já, com a perspectiva de dez noites insones. Vou ficar um bagaço porque, é claro, não vou conseguir dormir num quarto estranho com outros ruídos que não os meus e sem minha colcha de piquê! Além do mais, lá estão em pleno horário de verão e meu relógio biológico desconhece o fato. Vai ser uma dureza: comer, deitar e levantar uma hora antes daquela a que estou acostumada... não sei, não...

Habitualmente só vou deitar-me depois da meia noite. Não que costume fazer programas noturnos. Nada disso. É insonia mesmo. Por outro lado não sou amante do escuro, prefiro a claridade. Durante o dia topo qualquer parada, mas à noite prefiro ficar em casa cultivando minhas manias: assistir filmes alugados, ler, escrever, pintar... enquanto isso as horas vão passando e quando me dou conta já é bem tarde - só eu estou de pé. Hora de ir para a cama. O sono, porém, não chega muito facilmente. É preciso atraí-lo, adulá-lo com algum livro o que leva ainda um bom tempo. O que vai ser de mim em casa alheia sem meus filmes, minhas tintas, meus livros?

O ideal seria ficar hospedada em um hotel, mas bem lá no fundo permanece aquele receio de estar sozinha em outra cidade e minha emancipação não se completou de todo. Uma mulher desacompanhada num hotel não seria bem vista.

Sou muito comodista, além de acomodada. Não gosto de mudanças. Só mesmo um acontecimento fora do comum como os 100 anos da tia Zefa para afastar-me das minhas manias tão zelosamente cultivadas e sair por aí, ao Deus dará, com destino a uma cidade estranha. Cidade de brigas de gangues, de sequestros, de balas perdidas. Não mais aquela do carnaval e do futebol. Cidade estranha, sim. Já foi minha, não é mais. Seja o que Deus quiser.

Nov-96