ENQUANTO 'SÔ' LOBO NÃO VEM...

Filó é apelido, e seu dono faz parte do meu restrito grupo de amigos. Embora ao pé da letra filósofo signifique “companheiro da sabedoria”, a ideia corresponde pouco à realidade. Desde a Grécia antiga, no ordinário é um cara meio piradão como Diógenes, que debaixo de sol e nu dentro de um barril, saía pelas ruas empunhando um lampião aceso à procura do tal cidadão honesto. Pouco sábio, o Filó bebe e fuma, entre outros destemperos. E qual tal seus antigos colegas, após a primeira caixa de cerveja esvaziada faz perguntas e declarações que desconcertam ou embaraçam as pessoas. Reclamava eu de mim mesmo, por haver esquecido de conferir a quantidade do combustível no tanque do carro, que daí nos deixara presos numa roça, e ele me saiu com o seguinte consolo: - Poderia ter sido muito pior, Dilé! Imagina se o veículo capota, cai na pirambeira... – Vira esta boca de cauã agourenta, pra lá, Filó! Atalhei sem um pingo de paciência.

Em vida, de algumas coisas desagradáveis jamais escaparemos! Precisa algo pior do que espera em consultório médico? Já se chega lá alquebrado, e no corrente as notícias posteriores quase nunca são alvissareiras! Nada obstante, não falta aquele alguém muito vivo, querendo furar a fila ao passar por quase morto! Haja buchincho! A TV quando está ligada, tiram-lhe o som, para não perturbar o ambiente. Chega de notícia ruim! Para leitura só restos de revistas Caras, do ano passado! – e Caras não é pra ler, é pra ver. Sobretudo madames plastificadas, siliconadas, mumificadas torrando na Europa a grana obtida com o quinto e lucrativo divórcio!

Para quem gosta de fofoca o lugar melhor para se informar é numa ante-sala de médico. Talvez porque muitos dos que ali chegam, se considerem na prorrogação do segundo tempo - de uma partida de futebol – e entregam o jogo! “Tou estressada! E a culpa é daquele vagabundo, que casou comigo." Esculhamba a perua. "O serviço termina às cinco da tarde, mas o infeliz nunca bota os pés dentro de casa, antes das três da madrugada!” Também não falta homem chorando mágoas: “Caso a patroa se mude pro salão de beleza, não vai fazer a menor diferença... nem fritar um ovo, ela sabe!”

Marquei consulta para minha avaliação preventiva anual de saúde. Enquanto estava na sala de espera do clínico geral, entrou uma senhora ainda jovem, na companhia de certo velhote espigado, sem deixar transparecer a que viera – não contando suas oitenta primaveras declaradas à secretária! Pela neta soubemos que o avô fumava, bebia e aos finais de semana varava madrugadas nos forrós. Com uma ponta de orgulho na voz, concluiu: “-Se abusar, ele ainda faz extravagâncias!” Todos sacaram que para o vovozinho 'furunfar' era coisa rotineira! Quando o doutor chamou o número da ficha deles, surpresa geral: quem viera consultar fora a neta, que caía pelas tabelas queixando-se de pressão alta, colesterol descontrolado, estresse, banhas... O velho acompanhava!

Enfim chego aos finalmentes da crônica: por ser branquelo só saio à rua lambuzado de creme protetor solar – senão viro camarão! Conforme adverte a bula, em contado com os olhos a loção provoca dor intensa. Sol abrasador, suor escorrendo na testa... não me alongarei pra dizer que dia destes o tal ‘suco’ (creme e suor) inundou meus olhos. Apavorado, por reflexo peguei a primeira peça de roupa ao meu alcance e esfreguei nas vistas. Dei azar, era um blusão jeans, e estabanado acabei por romper uma veia no globo ocular. Em consequência amarguei um derrame, ficando com olhar de vampiro: vermelhinho! Dispensado o curativo, terminei a semana desfilando com o olho menstruado! Quem via, não conseguindo segurar a língua dentro da boca, perguntava se fora briga de rua. Como o Filó, que já de longe, espalhafatoso, não deixou por menos: - Quero detalhes! Foi namorado, noivo, marido?... Algo aí me lembra a velha cantiga: “Vamos passear na avenida, enquanto o ‘sô’ Lobo não vem... Tá pronto, ‘sô’ Lobo?...” – Pelamordedeus, Filósofo! Você tá frio como no brinquedo de chicote-queimado. Desconversei, saindo de fininho.

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 02/02/2011
Reeditado em 12/03/2011
Código do texto: T2766467