A HIPOCRISIA QUE É A FESTA DE 15 ANOS

Sou um homem de meia idade, de poucos vícios e de poucas manias. Gosto de agradar os meus amigos, procuro conservar as minhas amizades; afinal sou amigo de muitos, mas tenho poucos amigos. Um desses amigos me convidou pra festa de 15 anos da filha dele. É aí que eu tenho uma crise existencial, porque eu vi a menina nascer e quando eu vejo já se passaram 15 anos. Confesso que não aprecio essas solenidades, mas fui em consideração ao meu amigo.

Chegando à festa, sentei-me com a minha senhora e começamos a aguardar que nos servissem algo. Cá pra nós, amado leitor, eu prefiro festa de criança. Na festa de criança, você sai entupido de cachorro-quente, algodão doce, pipoca e todas as gostosuras de uma festa infantil. Mas nessa festa serviram algumas coisas que enchem a barriga: um pratinho de salgadinho no início e outro sabe Deus quando; uns enrolados de queijo com presunto – um pra cada - ; um canapé pra cada um; uma fatia de torta salgada que dava pra ver do outro lado de tão fina e uma fatia de bolo que não dá nem pra tampar a cratera do meu dente.

Mas o jantar merece um parágrafo só pra ele. Strogonoff ou estrogonofe ou “estragabofe”; toda a festa de 15 anos que vou servem essa bodega. Não sou um apreciador dessas coisas, ainda mais strogonoff que é um prato que exige total higiene ao ser feito. É feito mais ou menos assim, num jantar pra 100 pessoas: três caixas de creme de leite, quatro quilogramas de peito de frango, vinte litros d’água e o resto você joga no Google e veja o outros ingredientes. Os vinte litros d’água são pra render o negócio, no final tem um pedaço de frango no meu prato e outro na mesa ao lado. É uma água com um gosto inexplicável,

E o cerimonial? Há coisa mais chata numa festa de 15 anos? Aquele cerimonial longo de duas horas de duração e que é uma profunda hipocrisia. Agora eu entro no título da crônica. Aquele cerimonial que conta a vida da aniversariante toda como se ela vivesse dentro do universo Disney, que tem aquela valsa do Danúbio Azul e que tem aquelas “choromelas” dos homenageados e quem não é homenageado fica com cara de tédio. A hipocrisia do cerimonial é mais ou menos assim:

“Gleicy nasceu no dia 29 de fevereiro, onde o romper da aurora foi um coisa mágica, um encanto! Aos sete meses disse sua primeira palavrinha ‘mamãe’.“

E vai falando, mas vou dar um pulo para os onze anos:

“Aos onze anos, Gleicy ainda brincava de boneca. Aos doze anos Gleicy virou mocinha, menstruando pela primeira vez no dia 31 de dezembro de 2006, as vinte e três horas, cinqüenta e nove minutos e cinqüenta e oito segundos; sem contar que aos doze, Gleicy arrumou seu primeiro namorado. Aos treze, Gleicy conheceu a sua grande amiga, Amanda. Aos catorze anos terminou o seu ensino fundamental. E hoje, Gleicy está colhendo mais uma flor no jardim da sua existência!”

Que coisa meiga! Eu conheço essa menina e sei que o cerimonial verdadeiro sobre a vida dela. Deu-me uma vontade de pedir a palavra e falar. Mas prefiro compartilhar com o meu querido leitor, veja a versão verdadeira:

“Gleicy nasceu dia 29 de fevereiro, um dia com um calor infernal, quente pra caçamba. Aos sete meses disse sua primeira palavrinha ‘sexo’. Aos onze deu seu primeiro beijo na boca com o filho do dono da padaria da esquina. Quando fez doze virou mocinha e perdeu a virgindade com o primeiro namorado. Aos treze ficou se lambendo com a amiguinha Amanda. Aos catorze, rodava na praça, dando pra todo mundo. E faltando dois meses para fazer quinze anos, Gleicy descobre que está grávida, mas está escondendo de todos os convidados, inclusive do pai e da mãe”.

Esse é o verdadeiro cerimonial, e a mãe ainda acha que a filha é virgem. Acho que o único que enxerga sou eu, porque ninguém percebe a barriga saliente da aniversariante. A hipocrisia aumenta quando a aniversariante segura aquela bonequinha e faz de criança inocente, virgem, imaculada que troca a boneca por um sapato. Pára! Pára! Pára o mundo que eu quero descer! Ela tem que trocar a bonequinha por uma camisinha.

É tudo um grande mar de mentiras e hipocrisias que giram em torno das debutantes que só as pessoas mais inteligentes conseguem enxergar. Assim como eu enxergo...

Victor Terra
Enviado por Victor Terra em 02/02/2011
Reeditado em 22/05/2011
Código do texto: T2767144
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