BUNDINHAS DE FORA

Tenho dificuldade em dizer “não” às outras pessoas, mesmo quando convidado para extravagâncias como pescar no Rio São Francisco! Adicione-se a isto a inconveniência do correr dos anos: a idade pesa e os sentimentos se fragilizam. Temeroso quanto ao dia de amanhã – resta-me a cada instante menos tempo no calendário -, se escutar: “Cuidado com essa asinha de frango que está chupando, ela tem ossos pequenininhos e você pode se engasgar!” Não insisto. Ou: “Tou te avisando pra não descer a escada com lâmpada apagada, qualquer hora se esborracha lá embaixo e vai passar o resto da vida entrevado, numa cama, se não morrer antes!” Aceito a dica.

Tanto ouvi que, cismado, no início da semana fui a certa agência bancária onde à porta havia um cartaz informando sobre seguro de vida. A simpática atendente, responsável pela triagem dos candidatos à eternidade, após convencer-me da vantagem que é envelhecer garantido por bom plano, serviu-me água, café e o indispensável questionário para eu fazer o balanço de como anda minha saúde. Minutos depois, ao retomá-lo para avaliação prévia, sem perder o sorriso jovial ponderou: “Sr. Dilermando, pelo que leio, sua proposta de seguro precisará ser analisada por nossa Central. Desde os quesitos sobre riscos e abusos, ou do que hoje se chama ‘politicamente incorreto', antevejo provável desinteresse da Empresa pela operação; ou o senhor arcará com mensalidades bastante elevadas pois, salvo engano, a Seguradora logo estará cobrindo sua apólice, por morte... Bebe? Social e particularmente! Fuma? Quando estou nervoso, acendo um cigarro no outro! Dirige com segurança? Depende da policial! Pratica atividade física? Jogo baralho, aos domingos! E o coração...?" – Filha! Interrompi. Depois de certo tempo é melhor não saber dele. Ainda que consiga bater descompassadamente quando me emociono... (demorei pra começar minha sessão de ‘gracinhas’).

Atrás do riso maroto, pintado de vermelho pelo batom, quase de brincadeira ela encerrou a entrevista. "– Em dez dias o senhor receberá a resposta da Central, pois seu fator de risco se mostra elevado! Até lá, cuidado: a cama fica somente a meio metro do piso, mas uma queda nas estrepulias do amor pode ser fatal!"

Em determinadas etapas da vida, nos sentimos e nos comportamos como verdadeiros sábios. Temos certeza de tudo: o fogo queima; a pedra é sólida; a água molha; o sal... Como à distância pareço réplica do cavaleiro da triste figura – um Dom Quixote paraguaio -, pelas leis universais da compensação me garanto viajando na companhia de mulheres bonitas e inteligentes. O que tem levado companheiros a duvidar de ‘tamanha sorte’. Não houvesse outra razão plausível, diria que é por segurança. Elas envolvem-se menos em acidentes de trânsito, daí pagam metade do valor do seguro que nós outros - “hombres mucho machos”.

Contudo, cientes de tantas coisas da vida, não explicam por que trajando mini-blusa combinada com calças de cintura rebaixada – descobrem o umbigo à frente e revelam o cofrinho atrás –, ao passar por “eles" inutilmente (faltam-lhe panos, é visível) puxam o cós para cima e a barra para baixo... Agora vai reparar melhor, né meu chapa? Porém considere o conselho deste velho míope: caso não disponha de um bom seguro de vida, cuidado com torcicolos, postes em passeios, buracos no asfalto... A vida é breve, e passa mais depressa ainda, quando é boa! E, infelizmente, não existe seguro capaz de prolongá-la por um minutinho, ao menos.

NOTA- seja esta crônica minha homenagem ao colega de Recanto - Gdantas: amazonense de nascença e carioca da gema, por opção!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 06/02/2011
Reeditado em 15/12/2011
Código do texto: T2775255