HOJE EU ME FIZ SAUDADE... DE NOVO

Hoje eu voltei ao passado dos meus sonhos e revi cenas que o tempo, infelizmente, levou embora para bem longe de mim – o consolo é que leva de todos nós. Foram instantes de pura magia, perfeita sintonia entre estar no presente e viajar pelo tempo do passado, lá de onde eu vim, pela primeira vez, para o hoje dos meus pensamentos –, com pequenas paradas nas estações mais importantes e, nelas, pude saborear os delírios de uma mente fantasiosa.

Retornar ao passado, em sonhos de olhos abertos, é poder relembrar, quando se quer, os momentos mais significativos que as suas emoções puderam ter, e que lhe causam, até os dias presentes, excelentes recordações em forma de saudade.

E, hoje, eu caminhando pelo centro da minha cidade, as recordações foram tomando conta de mim, e eu fui, aos poucos, me adentrando ao universo mágico da recordação, e passei a ver, entre pessoas que iam e vinham e carros que passavam buzinando ao largo, as imagens tridimensionais que ficavam bailando por entre as cenas reais à minha volta.

De uma parte da infância, veio a lembrança de um rio cujo leito aquele garoto franzino atravessava-o, quase que diariamente; e também foi lá, em uma de suas margens, que jurou amor eterno a quem ele pensava ser o maior amor de sua vida. Doce recordação de um beijo inocente e intempestivas promessas para o futuro. Ela, a menina, só olhava e sorria, encantada que estava com aquele momento de Cinderela. Tenho certeza que ela, no presente de sua vida, também se permite essa regressão espontânea e vivencia aquela tarde em que ficar sentada, ao lado de alguém por quem estava apaixonada, tocando os pés na água que passava em direção a outros pensamentos, fazia o maior sentido do mundo e nada mais importava.

O tempo, no entanto, passou para ambos. As promessas foram desfeitas, os sonhos foram substituídos pela realidade, a paixão deu adeus, porém foi sendo renovada a cada novo príncipe/princesa e o tempo apenas conservou, para sempre – graças a Deus – aquilo que de melhor existe entre um homem e uma mulher: a amizade.

Da adolescência, os encontros com os irmãos, até então inexistentes, foi uma estação para onde as minhas recordações – passando, neste instante, pela rua principal – me levaram em seguida. A magia de andar em meio ao povo físico do meu tempo e, ao mesmo tempo, poder visualizar, em flashes virtuais, aqueles que eram o meu sangue e que estavam sendo vistos, ali, naquele exato segundo, com uma distância de tempo de cerca de quarenta anos atrás, era fabuloso, para não dizer delirante. Os rostos ainda imberbes dos garotos e as bonequinhas feitas de pano das meninas, traduziam, em imagens, as feições de cada um deles. O nascer do dia – anunciado bem antes pelo dono do terreiro – não era igual aos nasceres dos dias do tempo atual: para cada dia, uma emoção diferente se fazia presente em cada um de nós. O leite bebido diretamente da fonte – e quentinho – e, depois, o pão de milho embebido com o leite puro, das vacas Estrela, Bordado e Carrapeta, era comido com prazerosa gulodice, e era acompanhado de um café torrado em tacho de zinco e pisado em mão de pilão pela própria dona da casa.

Hoje, quando nos reencontramos, a saudade se faz mais presente e até não nos deixa falar muito sobre os velhos tempos. Talvez seja o medo de chorar na frente dos mais novos. Assim, apenas nos cumprimentamos, sem nostalgia, mas nos vemos, jovens – felizmente –, nas faces dos sobrinhos. Eles, sim, são quem imortalizam as nossas histórias, e vão, como no folclore popular, passando de um para o outro.

Assim, caminhando pelo centro da minha cidade, enquanto meus passos me levavam para o destino dos meus dias atuais, eu me vi caminhando, também, pelo centro da maior cidade de todas as que eu conheci. Nela, os dias eram longos e as noites maiores ainda. Tempos em que a única preocupação era viver, curtir, aproveitar, divertir-se. A juventude, aliada ao prazer que as coisas materiais proporcionavam, era o combustível de que precisávamos para podermos atravessar o modelo de governo imposto naquela época. Não existia o medo da morte. Ela até podia existir – hoje eu sei que existe –, mas não passava nem perto de onde eu morava. O medo, neste caso, era substituído pelos ideais democráticos e a contravenção era a palavra de ordem. Uma espécie de incentivo para suportar as investidas de quem um dia iria perder o comando das coisas.

No campo do amor, amar e ser amado era o lema. Não existiam manhãs frias, nem tardes chuvosas e, muito menos, noites preguiçosas: as vinte e quatro horas eram de puro deleite pessoal. Trabalhar era o compromisso que me dava a passagem carimbada e assinada em branco – sendo preenchida por mim quando eu bem entendesse – para aproveitar meus direitos descompromissados de viver intensamente cada minuto daquela estação.

Finalmente, já chegando ao meu destino atual, as imagens foram, aos poucos, se fechando. Mas, ainda deu tempo de ver as mudanças que o tempo causou em mim. O amor e a dedicação pela profissão, o prazer de contar em breves linhas o compasso de uma vida, as árvores que já plantei – e que muitas delas já deram excelentes frutos, os sonhos – pelos menos os possíveis – quase todos realizados, os desejos do coração ainda pulsantes; enfim, fizeram-me perceber, neste pequeno intervalo entre a realidade e a fantasia de imagens virtuais da mente, que a própria vida é, sim, composta, também, de outros universos, e que, cada universo representa uma estação a ser vivida. O segredo, porém, está em como passaremos de um universo para o outro sem perdermos o equilíbrio que a vida nos cobra.





Obs. Imagem da internet















 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 06/02/2011
Reeditado em 18/04/2019
Código do texto: T2776449
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