A velha Brasa mora!

O time era bom, no gol Munheca, protegendo a zaga Bicudão, no meio Perninha e Fominha e no ataque Canela, se conheceram na época escolar e nunca mais se separaram. Cresceram jogando futebol, já eram casados, pais de família e trabalhavam a semana inteira, mas a paixão pelo esporte prevalecia. Participavam de todos os campeonatos do bairro e da cidade. Um time habilidoso que “quando jogavam” dava trabalho aos adversários e sempre beliscavam um troféu. O problema é que na maioria dos campeonatos quase sempre não conseguiam chegar na hora exata das partidas, por isso o apelido de Quase lá a equipe, já que em quase todas perdiam por W.O.

Tudo por causa da Brasa mora, a velha Brasília cor de laranja, que além da sua cor chamativa, parecia mais a uma Maria-fumaça, do que a um carro de verdade. Aquele automóvel (se é que pode se chamar assim uma lata velha caindo aos pedaços) era o xodó dos Fiões da Vila. Cheia de ferrugem e durepox, transportava a equipe para todos os lugares da cidade, além dos tênis, meiões, caneleiras, camisas, calções, tudo que um time necessitava para jogar.

Por diversas vezes os deixava na mão, quase sempre não funcionava quando precisava, perderam alguns campeonatos por causa da Brasa mora, ora por falta de óleo (que vazava por todos os lados), ora pela correia quebrada, bateria descarregada, radiador furado, carburador entupido, tudo era motivo para a Brasa mora não funcionar, principalmente quando envolvia jogos importantes. Quando chegavam ao local, ou estavam cansados de tanto empurrar a Brasília ou sujos de graxa. Era o time da chacota!

Aberta as inscrições para o campeonato de comemoração de aniversário do bairro, Munheca, o capitão do time, como de costume, foi efetuar a inscrição dos Fiões da Vila, vulgo Quase lá, na competição. Queriam estar presentes nesta competição, já que o prêmio era um carro semi-usado, e assim poderiam aposentar a Brasa mora, na vez de Munheca, muito animado, entregou os documentos necessários e a taxa da inscrição ao organizador, o problema é que a fama do time de não cumprir com os horários fez com que o organizador não aceitasse a inscrição do “Quase lá”, deixando Munheca revoltado, que quis partir para cima, após muita confusão e com a intervenção da turma do “deixa disso”, ficou estabelecido que para participarem teriam que assumir um compromisso de não atrasarem em nenhuma partida, sem qualquer tolerância ou seriam desclassificados e banidos para sempre de todos os campeonatos.

Munheca, sujeito homem que era, assinou o compromisso de honra e de peito estufado saiu. Ao virar a esquina saiu de sua guarda e desabou, sabia que dificilmente conseguiriam cumprir o assinado, ainda mais com a Brasa mora, e ficaria manchado como homem sem palavra. Para acabarem com esta sina, convocou os integrantes do time e falou sobre o acordo e que precisaria do esforço de todos para que o Quase lá não deixasse de participar dos campeonatos da cidade. Só não sabiam como fazer isso, já que eram todos ruins de grana, fora as mulheres que enchiam o saco com os gastos que tinham com o xodó do time. Decidiram (escondidos das mulheres) fazerem um empréstimo, dando como garantia o valor do semi-usado que ganhariam como campeões do campeonato.

O incumbido de executar o empréstimo foi o Canela, que entre os cinco, era o que tinha o melhor salário. No dia seguinte foi até ao banco e efetuou a operação, pedindo sigilo total ao gerente, ninguém, a não ser eles e o restante da equipe, podia saber desse empréstimo. Há uma semana para iniciar o campeonato, estavam ansiosos, precisavam saber como andava a reforma da Brasa mora, que havia sido iniciado há cinco dias. Sabiam que a funilaria estava pronta, restava apenas a parte mecânica, que ainda não se encontrava em condições. Faltando dois dias para iniciar a primeira partida o desespero era total, mais ainda de Munheca que dera a sua palavra de honra.

E o carro só foi aparecer no sábado a noite depois que Canela, sumiu o dia inteiro, tanto Fominha quanto Perninha os mais habilidosos do time não sabiam mais o que fazer, Munheca era um desespero total e Bicudão, o mais esquentado, estava doido par dar umas porradas em Canela. E finalmente ao longe se ouviu um barulho que parecia com o de um motor e quanto mais se aproximavam mais o barulho aumentava e de repente a buzina disparou sem parar, assustando e trazendo para a rua todos os moradores, era Canela dirigindo a Brasília laranja a todo vapor. A alegria foi geral (menos para as mulheres), Munheca, Fominha, Perninha e Bicudão, junto com seus respectivos filhos pulavam de felicidade, agora poderiam cumprir com o compromisso e fazerem o que mais gostavam que era jogar futebol. A noite foi pequena para eles, os vizinhos que gostavam daquele grupo simpático não se importaram em passar a madruga toda ouvindo Zeca Pagodinho.

Na manhã seguinte todos estavam de pé, o motorista do time era o Canela. Entraram no carro e... não tinha Cristo que fizesse a Brasa mora funcionar, faltava meia hora para o jogo e nem haviam saído do lugar, e mais uma vez o desespero bateu em todos, decidiram se trocar ali mesmo e irem empurrando a caranga até ela resolver funcionar.

No local do jogo, todos estavam apreensivos, faltavam dez minutos e nem sinal do Quase lá, a dois minutos de perderem por W.O. um barulho chamou a atenção de todos os presentes, eram os Fiões da Vila prontos para iniciarem a partida, o público foi ao delírio, seus filhos e esposas que vieram de ônibus (e chegaram na frente) choraram de alegria. Apesar de cansados, jogaram muito e o placar apenas apontou a facilidade do jogo.

Sucedeu assim até a final, o Quase lá, tinha virado a sensação da competição, o que deixava os adversários com receio, no dia do jogo final, o ginásio do bairro estava lotado, de um lado a equipe vencedora dos últimos dois campeonatos e de outro a equipe sensação, os Fiões da Vila ou Quase lá, como ficaram conhecidos.

Jogo difícil, os dois times eram bons, o 0 x 0 no placar não demonstrava a real situação da partida, o pagamento do empréstimo dependia do título e do prêmio recebido. Munheca estava inspiradíssimo, pegando até vento, Bicudão marcava firme o craque adversário, enquanto Fominha e Perninha criavam jogadas para Canela. E faltando dois minutos para o fim, em uma bela jogada de Fominha, Canela fez o gol que dava o título ao Quase lá.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 07/02/2011
Código do texto: T2777452
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