NOVELA MEXICANA
É tarefa vã, querer a todos agradar. Alguém sempre faz um reparo qualquer. Por isto não me amofino quando, com razão, alguns dos meus antenados leitores reclamam que estas crônicas - derrapando amiúde para o lado brega da vida - ficam parecidas com novela mexicana, que se assiste em reprise na sessão da tarde, num canal de TV.
Porém, se assim não fosse, como narraria aqui estórias românticas e ao mesmo tempo trágicas, qual o breve mas intenso caso de amor entre meu colega de escritório – quarentão divorciado – e uma bela ninfeta com pouco mais de treze aninhos? Ou senão, de que maneira poderia eu falar daquela garota bonita, inteligente, que gostava de mascar chicletes, usar óculos escuros, sapatos salto agulha, ouvir Mamonas Assassinas no último volume, recitar poemas de Mário Quintana... e que se encantara por um coroa legal?
E tudo aconteceu da maneira mais convencional possível. Ela ia para o colégio quando tropeçou numa saliência da calçada e caiu, ferindo de leve os joelhos. Ele que chegava ao trabalho socorreu a menina, limpou-lhe o ferimento, e oferecendo-se para levá-la à escola deu-lhe o braço, o banco do carro, o coração...
Dois dias depois, meio ao expediente, aquele brotinho com rosto de anjo travesso dava pancadinhas na janela do escritório - com a tampa da caneta esferográfica -, avisando por sinais que estava tudo ok! E não precisou mostrar mais nada, para encantar definitivamente ao homem maduro, do que seu sorriso brejeiro. Pedindo, igualmente por mímica, que ela voltasse fora do horário comercial para que batessem um papo, sem se levantar da cadeira meu amigo soprou-lhe um beijinho discreto, deixado na palma da mão!
Daí em diante, na ida ou na volta do colégio, todo dia a mocinha encontrava uma desculpa para passar no escritório, e dividir com meu colega um resto de pipoca, meia latinha de coca, desligar seu computador, esconder a calculadora... Também ele surpreendia sua princesa: ora um cd novo, ora um filme em lançamento... E mentindo em casa que ficara na biblioteca para fazer pesquisa escolar, ela passava horas no apartamento dele, ali descobrindo a vida em todos os seus encantos e mistérios...
E o velho sofá do quarto de televisão testemunhou os mais belos e cálidos momentos de paixão – entre o quarentão e sua lolita que desabrochava para o amor! Foram carícias, abraços, beijos... que marcariam não apenas o coraçãozinho selvagem da estudante, como também ao dele; em seu derradeiro sopro de alegria.
Ao final do ano letivo, reprovada no colégio, a garota foi mandada de castigo para a casa de parentes, em outra cidade. Na primeira viagem, indo visitar sua princesa, um acidente pôs fim àquele romance imponderável. Pediram-me que, como melhor amigo, eu retirasse das gavetas no escritório todos os pertences do falecido. Foi quando dentro duma pasta para arquivo de documentos, encontrei uma fotografia da menina, em tamanho postal; nas costas, por ele escrito à mão, lia-se um acróstico iniciado assim:
Talvez a vida seja apenas sonho
Algo que se dá, mas não se pode ter
Instante único, alegre e tristonho
Saudade antiga do que ainda vai ser...