Dizem que não amo

Perguntaram-me, diversas vezes, se eu era incapaz de amar, visto que nem a mim mesmo, demonstro tal sentimento, a meu ver, deveras enfadonho. Lembro que a cada vez que me fizeram esta indagação, minha resposta foi diferente, pois amar, como qualquer outro sentir, é volúvel, como a água, se adapta de acordo com seu recipiente. E eu, como sou agora, não me mostro um bom invólucro para esta sensação em particular, meu ser se encontra preenchido com tantas outras coisas, tão diferentes, que o amor falha em se acomodar. Quando digo isto, chovem repreensões sobre minha pobre cabeça, como não há guarda chuva que impeça tamanha torrente de atingir-me, apenas permito que ela me martele; ainda que isto faça com que meio peito torne-se mais e mais pedra, e o sentimento que dizem abominável ignorar, mais e mais incógnito. Não culpo estes que tentam, por intermédio de força bruta, imbuir-me de amor, ternura e afeto, mas queria que compreendessem, que aquilo que vida gastou anos afastando de mim, algumas palavras em míseros minutos, jamais trarão de volta. Aparentemente, este é um conceito incabível àqueles que me vêem como monstro, pária sentimental, grotesca mutação, mas ignoram estes, fatos simples, secretos, que hoje, tornar-se-ão conhecidos.

No primeiro momento em que me perguntaram a fatídica questão, que tornou-se constante em meu viver, respondi prontamente “até demais”, e creiam ou não, cabe a quem ler decidir, era a mais pura verdade. Quando pequeno amava quem me cercava, quem não conhecia, quem me desprezava, amava sinceramente, aquele amor puro, de criança ingênua. O que percebi, com o passar do tempo, foi que tudo aquilo que dedicava aos outros, era por eles absorvido, e devolvido de modo antagônico; ou seja, quanto mais amava, mais me feria. Era um amor ainda inocente, infante, idiota, sempre tentei, através de inúmeros modos, transmitir o que sentia, sem embaraço, e fazer com que os outros, sentissem liberdade para agir da mesma maneira. O que consegui foi atingir, com meu corpo e espírito ainda frágeis, devido ao pouco contato com o mundo, inquebráveis barreiras que cada um cria em torno de si, ferindo-me cada vez mais profunda, e freqüentemente. Não que isto me impedisse que continuar; mesmo com minha recém criada capacidade de raciocínio, criei a estúpida mentalidade de que mesmo este frustrado tentar, ajudava, e que se conseguisse, derrubar, ainda que uma destas muralhas individuais, me valendo de um cerco afetivo, teria valido a pena. Óbvio que falhei miseravelmente, minhas tentativas só resultaram numa dor que crescia, tornando-se insuportável, tive que sacrificar, em prol de uma causa egoísta, o amor pelo próximo. Então vejam agora, que não foi ninguém, fora vocês, que fizeram isto acontecer desta forma, acuso-os do assassinato deste meu amor.

O relógio na parede continuou a correr, segundos aglomeraram-se em minutos, que se embolaram em horas, que constituíam dias, que se tornavam semanas, meses e anos, o relógio crescia, e eu envelhecia. Desta vez, já um projeto de homem, foi feita aquela mesma pergunta, respondi de imediato uma vez mais “amo você”. Breve direi qual foi a resposta, antes, direi como se dava a minha relação com o vampirismo do amor naqueles tempos idos. Meus interesses mudaram, já tinha abandonado aqueles tolos sonhos de infância, aquela estúpida preocupação com o próximo, e neste abandono, criou-se um alicerce para minha própria barreira, que já tinha uma primeira camada de grandes tijolos acentada. Agora começara aquele interesse pelo sexo oposto, ainda que não fosse absolutamente sexual, era muito mais afetivo, não discorrerei sobre todas aquelas por quem me apaixonei ao longo de conturbada adolescência, mas sobre estas paixões em geral, é preciso que o faça. Sentia, me orgulho de poder dizê-lo com total honestidade, um amor de certa forma altruísta, me preocupava fazer da garota feliz, sonhava em poder saber que trazia um sorriso ao rosto de alguém, somente por estar perto dela. Lógico, minhas ações jamais eram o suficiente, mas tentava, e muito, fazer uma garota feliz, simplesmente por ser eu, perto dela; não parecia possível. Era incapaz outra vez de realizar aquilo que ansiava, que pretendia, que precisava, ainda que não sofresse tanto, até o momento em que meu coração pareceu implodir, quando a vi pela primeira vez. Não a descreverei, nem o momento em si, somente o que senti, e tornei a sentir a cada encontro; sentia um aperto no peito, uma dolorosa vontade, um incontrolável desejo de aproximar-me, não muito, caso contrário temia arruinar tudo. O ar parecia pesar toneladas, respirar era impraticável, as mãos tremiam, o estômago revoltava-se, suava frio, ao invés de formar palavras balbuciava; sentia-me bem. Quase arrebentei de alegria no dia em que a beijei, foi neste dia que ela me fez a pergunta, que eu respondi, resposta da qual ela riu, chamou-me de besta, e deu-me as costas.

A próxima vez que me perguntaram aquilo, já era um homem feito, podia comprar cerveja no mercado, tinha perdido a virgindade, namorava, e era constantemente acusado de não amar, expressar amor, saber lidar com ele. Cada vez que isto era dito, meu coração era mais um tanto imerso num recipiente, cheio de concreto ainda pastoso, que esperava apenas emborcar todo meu coração para tornar-se sólido. Isto acontecia, pois desde que era um pequeno garoto, tentava fazer com que todos sentissem aquela coisa maravilhosa, que chama amor, e a cada tentativa, aquilo parecia mais surreal. Estranhos me renegaram, paixões joviais riram, e agora, uma mulher que dividia a cama comigo, meus sonhos, meus dias, minhas alegrias e tristeza, diz que sou incapaz. Isto me corroia, e quando ela fez a famigerada indagação, não hesitei, ainda que tenha respondido tomado por tristeza colossal, desolado, vazio. Minha réplica? Crua, simples, direta, brutalmente simples “acho que não”, ela enfezou-se, fiquei novamente só.

Outros anos passados, ondas no oceano do tempo, ainda tentei manter-me ligado ao amor, mas foi tornando-se complicado. Um amigo querido me desapontou, familiares também, estranhos mantinham-se pares distante de olhos, outras mulheres arranharam meu coração, apenas para quebrarem as unhas num órgão que virara pedra. E nesta época, me perguntaram novamente, acenei uma mentirosa afirmativa, duvidando de meu intento, indagaram o que eu acenava. Sorri, e disse sem pestanejar “Quase nada, não vocês que não se importam, nem eu, que não mereço”. Dada resposta, olhares fustigantes, bocas escancaradas, incapazes de manifestar qualquer palavra, olhares estupefatos, costas ofendidas se afastando e eu, parado, pensando em como são hipócritas, estas pessoas que me fizeram ser quem sou, e agora me abandonam.

Pietro Tyszka
Enviado por Pietro Tyszka em 24/02/2011
Código do texto: T2811905
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