O caso Lazarelli

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O que seriam das crônicas se não fossem as vivências de seus criadores... Entretanto, será que sobreviveriam, essas mesmas crônicas, sem as inter-relações (Com a reforma ortográfica ainda é assim que se escreve? Confesso que não sei, mas continuemos). Como eu ia contando... Sem as inter-relações humanas trocadas no dia-a-dia dessa sofrida e por vezes feliz vida, o que seriam das crônicas?

O causo de hoje, na realidade, os fatos quase reais que narro agora, tomando a liberdade do exagero hiperbólico que a literatura permite, e que se tornarão quase fictícios, também, apenas para preservar a identidade do seu protagonista, foram relatados ao longo de alguns meses de sofrimento conjugal, que se perpetua até este instante, por um dos meus companheiros de trabalho, o ilustre Capitão Lazarelli. Já faz alguns meses que essa saga se iniciou, mas... Certo dia, no expediente, pela manhã, cedinho, meu capitão se aproxima e me diz:

- Major, o bicho está pegando lá em casa!

- Que aconteceu, rapaz?

- A mulher me flagrou namorando na internet... Foi mãozada pra todo lado! Tentei argumentar, mas não teve jeito. Eita mulher brada da peste, coligado!

Tentei não sorrir, apesar da seriedade do assunto, mas a forma cômica da narração – Lazarelli é muito engraçado no falar – me impediu de manter o semblante compatível com a situação, principalmente numa passagem dos relatos:

- O pior, Major, foi quando à noite, na frente das crianças, ela chegou, com um trecho do meu bate-papo com a coligada impresso, e disse:

- 'Olhe o bicho véi, não sabe nem cantar! - e continuou: 'Meu bebezinho, eu gosto de tu 'mais' é muito!' Isso lá é coisa que se fale pra cantar uma mulher!...

Foi ouvir a narrativa e cair na gargalhada.

– Poxa, Major! A gente vem desabafar e o senhor tira é onda!

Tentei contornar minha gafe. Disse pra ele que depois disso, o encanto e a confiança, certamente, foram e estavam comprometidos, mas que havia como reverter a situação.

A esposa, segundo Lazarelli, reiteradas vezes tocava no assunto e insistia com a confissão que não tardou. Mais ou menos em novembro do ano passado, Lazarelli me pede uma nova conversa em particular e desabafa:

- Major, fiz besteira de novo!

- Que foi dessa vez, rapaz?!

- A mulher está pegando demais no pé, Major, e ontem eu assumi o caso!

- Você é louco, rapaz! Réu confesso? (Com a reforma ortográfica ainda é assim que se escreve réu? Confesso que não sei, mas continuemos). Como eu ia contando... Réu confesso? Assim complica... Tentei dar uma bronca, misturada com um aconselhamento, mas fui interrompido:

- Deu não, Major! Abri o jogo. De tanto ela me perturbar, assumi e disse que eu e a dita cuja, 'a gente está se gostando'. A mulher é tão dum jeito que só foi eu assumir, sabe o que ela disse?

- Fale!

- 'A gente está se gostando!' Passe pra dentro de casa, seu ‘véi’ safado e abestalhado, e trate logo é de cuidar dos seus filhos! - Dá pra entender mulher, Major? Elas brigam, brigam. Ficam enchendo... E quando a gente assume não aceitam! É só a gente não mentir que elas esvaziam o bico! Quando a gente mente elas pegam ar! Falamos a verdade e murcham.

- Pelo menos você está em paz com sua consciência...

Passaram-se os dias e dezembro chegou. O Natal chegou! Época de festividades, de reverências ao Cristo vivo... No quartel, logo depois do Natal, lá vem o Lazarelli com carinha de quem fez bobagem outra vez. Pra variar, eu serviria de confidente e de suporte para mais relatos de desamores e desabafos. Quando ele se aproxima eu já me antecipo:

- O que foi dessa vez, Lazarelli?

- Tem jeito mais não, Major! A mulher me colocou pra fora de casa.

- Logo no Natal!

- Foi sim! Dei um TV de 32 polegadas pra ela, todo feliz! Pensei que fosse gostar, mas sabe o que ela fez? Perguntou: 'E pra rapariga, você deu um TV também?' Ah, major, saí do sério e disse que pra rapariga eu tinha dado um TV, mas menor, só de 14 polegadas. Pense na mãozada que levei!

- Você e sua esposa são pavio curto demais!

- Cansei de levar porrada, Major! Tem alojamento vazio pra me hospedar? Vou me arranchar hoje pro almoço, posso?

- Sem problema, claro que pode! Afinal, o quartel ainda é a casa dos desalojados.

- ‘Fresque’, não, Major! – respondeu Lazarelli, já se dirigindo ao rancho do quartel.

E pra completar, o motivo que me levou a estar aqui agora escrevendo essas doces linhas, o genuíno Lazarelli me chega hoje falando que ontem, ao chegar a casa depois do expediente, foi chamado pela esposa que ligou o computador e o mostrou uma comunidade criada num dos sites de relacionamentos da rede mundial:

- Major, adivinha qual o nome da comunidade que a mulher criou e fez questão de me mostrar, exigindo que eu mande o link pra coligada lá?

- Diz, Lazarelli.

- 'Pensa que é bonito ser puta?'

Só mesmo espalhando essa comunidade mundo afora... No quartel, garanto, já divulguei o nome pra todo mundo.

Juazeiro do Norte-CE, 22 de fevereiro de 2011.

08h56min

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 24/02/2011
Reeditado em 21/10/2011
Código do texto: T2811914
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