D´aquele verão de 87

Era mais um verão quente e ainda em férias. E eu um moleque de 13 anos que só pensava em soltar pipa e jogar bola, pois naquela época, a mídia ainda era sufocada pelos resquícios de ditadura tão marcantes em nosso querido país dos papagaios. Só me interessava o programa dos Trapalhões.

Ao visitar um amigo em sua casa, com a bola debaixo do braço, para chamá-lo a jogarmos na rua, sua mãe apontou, mostrando que o mesmo se encontrava no quarto do irmão mais velho, sentado no chão de sinteco. À sua frente uma vitrola antiga, portátil, que se transformava em maleta e podia ser levada a qualquer lugar.

Em uma das mãos um disco, na outra uma flanela que passava delicadamente naquele pedaço de vinil preto.

Olhei para o chão e apanhei a capa do disco. O desenho era impressionante, uma cabeça monstruosa, mostrando a língua e acima da mesma o nome daquele LP: Titãs Cabeça Dinossauro.

_Cuidado, é do meu irmão !!! advertiu-me o colega.

Já na primeira música, que dá nome ao LP, uma pancada, um hino Xingú e a inconfundível introdução, seguida por frases curtas que martelavam idéias desconexas, mas que no contexto da obra remetia o homem aos seus mais selvagens, mais primitivos instintos.

Eu gostava muito de rock, ouvia Beatles, Iron Maiden, mas não entendia porcaria nenhuma que os caras cantavam, pois não existiam ferramentas como a internet, com fácil tradução de qualquer coisa. Era preciso ter um dicionário Michaellis Inglês-Portugês-Português-Inglês e muito saco para ficar traduzindo.

Então, escutei os Titãs, ou melhor, vivi os Titãs. Fui à alguns shows, assistia o Chacrinha, o Barros Alencar, o Bolinha; estacionava o seletor de canais onde eles aparecessem.

Shows aqueles de Uberaba (MG), São Joaquim da Barra (SP) e Franca (SP).

Alguns saudosistas insistem em esbravejar e dizer que os Titãs são vendidos, que se renderam à mídia. Mas eu, particularmente, acredito que toda banda quer tocar para o grande público e provar que pode se reinventar, sem perder a essência.

As oito cabeças titânicas, nada grotescas, sempre pensaram muito bem juntas. O elementos por eles usados nunca tiveram pregos fixados que não pudessem ser retirados, ao contrário, sempre foram encaixes nos quais, discreta, ou explicitamente percebia-se um pouco de reggae, black music, rock n´roll, punk, hardcore e algum romantismo...ah...Go Back.

Você ouvia o Nando Reis cantando Marvin e Família, suavemente e depois vinha o Sérgio Brito gritando AA UU, e vociferando em Polícia (para quem precisa).

Alguns diziam que eles simplesmente imitavam o The Clash. Mas quem faz rock no Brasil, sempre teve que imitar alguém. O rock é cultura ianque, que viajou até a Inglaterra e se pulverizou pelo Mundo. Prova disso é nosso eterno Raul Seixas, o Elvis Presley de Salvador.

Eu gosto muito do rock nacional, das bandas punk antigas, mas no meu caso, esse caminho, com certeza foi aberto depois que escutei Titãs, numa vitrola portátil, vermelha, num chão de taco, imaginando e ouvindo o que haviam feito antes, e tudo o que viria depois...

BORGHA
Enviado por BORGHA em 24/02/2011
Reeditado em 05/07/2011
Código do texto: T2812181
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.