QUEM QUER SER MILIONÁRIO?...

Já há uns tempos pensei em escrever algo sobre este assunto. Aliás até já escrevi, uma prosa poética que tenho algures por aí, e se bem me lembro, fala deste assunto de uma forma romântica e por isso mesmo, muito utópica.

Mas o que eu queria mesmo era escrever uma crónica e ela aqui está.

Todas as semanas o povo sempre sonhador, corre às casas de apostas na esperança que a lotaria, totoloto, totobola ou qualquer outra forma de sorte, lhes sorria finalmente.

De quando em vez, os primeiros prémios vão-se acumulando, engrossando os números em quantias astronómicas. Agora é o Loto Europeu (Euro milhões) que já vai na décima semana (se não me engano) que está sem apostadores vencedores do primeiro prémio, o que tem originado sucessivos Jackpots. Por agora já vai em cento e trinta e um milhões de Euros, o que deve dar perto de trezentos e cinquenta milhões de Reais.

Como é tradição do português, toda a gente deixa sempre tudo para a última hora e há pouco quando fui à cidade, a fila dos apostadores tinha vários metros de comprimento mas, mesmo assim, ninguém arredava pé, nessa infindável esperança que nunca abandona o povo, saturado de ser pobre, de ter que trabalhar todos os dias, de não poder levar a vida a que entende ter direito.

Como bom português, também eu deixei para o último dia, não os meus sonhos de riqueza (que já não tenho, pois percebi que esse tipo de sorte sai apenas aos outros), mas os sonhos de familiares meus, que me confiaram suas apostas para que eu colocasse em jogo, e esperei pacientes minutos que chegasse a minha vez de entregar os boletins.

Sei como funciona este tipo de histeria e quando cheguei a casa, tive oportunidade de ver e ouvir as notícias, e mais uma vez os jornalistas faziam os seus directos das casas de apostas, emitindo seus considerandos e entrevistando apostadores sempre com o mesmo tipo de perguntas:” Faz ideia de quantos são cento e trinta e um milhões de Euros?... Que faria se lhe saísse esse dinheiro?...”

Curiosamente as respostas também não variam muito, sinal que a originalidade não anda em alta no reino jornalístico, nem dos sonhadores:

“- Não faço ideia de quanto pode ser esse dinheiro, nem sequer imagino…”

E para a segunda pergunta algo ainda mais estranho:

“ - Se me saísse esse dinheiro acho que passaria a vida a passear e ajudaria muita gente a ser feliz pois distribuía pelos mais necessitados…”

É curioso esse contra-senso, pois embora as pessoas acreditem que lhes pode sair a eles (no meio de milhões de apostas – imaginem), no fundo não acreditam, quando afirmam que distribuiriam pelos familiares, amigos e carenciados. Pelos familiares, ainda acredito em alguns casos, mas pelos carenciados e instituições de solidariedade, custa-me muito sinceramente a crer.

Aliás, basta observar que quando sai algum desses prémios, o premiado desaparece misteriosamente e nunca mais ninguém lhe põe a vista em cima, não vá o diabo tecê-las, pois já aconteceu a alguns mais desprevenidos que se vangloriaram da sorte, e como por milagre, de um dia para o outro, tinham ganho uma multidão de familiares e amigos até aí absolutamente desconhecidos. E já nem quero falar em tentativas de rapto e todo o tipo de chantagens…

Mas quem é que se preocupa com isso?... Por agora o que importa é ir alimentando o sonho e, se não sair desta vez, existe sempre a próxima semana!...

E depois, o que seria da nossa vida se não existissem sonhadores?!...

03/11/2006, Abílio Henriques