O sonho do Julinho!

Madrugada...Toca o telefone... Tchê cara.... Preciso conversar agora.... Urgente! É coisa séria.... estou ficando maluco! Tens que me ajudar!

- Peraí Julinho! São três da manhã... Liga outra hora, pô! Tenho que acordar cedo pra trabalhar! – Não dá! Tem que ser agora mesmo! Preciso da tua ajuda profissional e além disso tu é meu amigo ou não é?

– Olha Julinho: é claro que sou teu amigo, mas a esta hora não vai ter consulta e muito menos por telefone, certo?

- Mas Dr., a coisa é muito séria!

- Séria ou não, vais esperar até amanhã e não adianta me chamar de Dr.! Te acalma, vai dormir... Vamos combinar que te espero no consultório as oito e aí a gente conversa sobre o assunto. Te conheço a trinta anos e sei que tu não tem nenhum problema sério. Agora vai descansar e não me incomoda mais. Vê se não bebe mais antes de dormir! Passe bem...

- No dia seguinte, ao chegar ao consultório, lá está o Julinho esperando, com enormes olheiras negras e um ar de completa desolação...

– Bom dia ... Vamos passar e ver o que fazer com este teu problemão...

- Como disse, conheço o Julinho a muito tempo e nunca achei que fosse um sujeito “problemático”, mas nunca se sabe tudo... Sei que é aparentemente calmo, tem a vida mais ou menos estabilizada e que não é um sujeito que costuma complicar a vida. Parece que teve sucesso na sua lida profissional e familiar e acho que vive bem. Tem fama de “mão fechada”, mas ninguém é perfeito. Mas o Julinho, agora transformado em cliente, não parecia nada bem: sentou-se na ponta da poltrona, retorcendo as mãos e apresentava intensa sudorese, sinalizando ansiedade... – Bem, vamos ver em que podemos ajudar! Quem sabe agora possas falar com calma sobre o que está te incomodando e depois vamos ver se encontramos alguma solução, certo?

Depois de um longo e angustiante silencio vieram as lágrimas e finalmente começou a falar: - O caso é que tive um sonho... Um sonho aterrorizante! Tenho medo de dormir e isto acontecer de novo!

- Quem sabe me contas o teu sonho e vamos tentar entender porque te sentistes tão mal... Certo? As vezes, estas manifestações oníricas podem ser apenas reações orgânicas sem um conteúdo oculto importante. Sabes que na nossa idade, temos que ir com calma com o que comemos a noite... Tu não refugas uma boa janta, não é? Mas, vamos ao sonho...

– Tá bem, Doutor... O sonho foi assim: estou andando por uma cidade desconhecida e resolvo cortar o cabelo. Vejo mais adiante uma modesta barbearia, daquelas que não existem mais, aquelas barbearias de bairro. Antigamente existiam muitas, mas foram desaparecendo e não se vê mais nenhuma. Hoje em dia, a gente vai nestes“centros de embelezamento capilar”... Vê se isto não parece coisa de veado... O caso é que resolvi entrar e cortar o cabelo. Lembro que o barbeiro era vagamente parecido com o meu chefe, aquele fdp... Sentei na única cadeira da barbearia e o sujeito não me perguntou nada e nem eu falei nada. O corte de cabelo foi demorado e era coisa caprichada, pois o barbeiro, ou o meu chefe, era muito meticuloso, aparando cuidadosamente cada fio da pouca cabeleira que eu ainda tenho. Lá pelas tantas, terminou o corte, o barbeiro retirou as toalhas e me disse que estava tudo pronto, bem como eu queria. Lembro que fiquei satisfeito e resolvi ir embora. Aí a coisa começou a ficar aterrorizante!

Diz o homem: - O senhor tem que pagar antes de sair! – Tá bem, quanto é? – São R$ 573,00! – O que??? Tudo isto por um corte de cabelo? – É, diz o homem. É o preço que tens que pagar. Neste momento, diz o Julinho, eu já estava apavorado com tudo aquilo, mas não conseguia acordar! Pensou nisso, Dr.?

-Julinho, tu é um sujeito vivido e sabes que as vezes temos problemas e nem sempre achamos as soluções adequadas. Tomamos decisões erradas e nos culpamos depois. O teu sonho parece estar ligado a algum sentimento de culpa e a tua tentativa de reparação, ou a reparação que tu achas que deves dar talvez te pareça demasiadamente grande. Por isso, o preço que o barbeiro cobrou foi tão alto. Quem sabe não dás um tempo para que as coisas se acomodem? Seja lá o que fizestes ou andas fazendo, a coisa pode ser que não seja tão grave assim... Afinal, é apenas um sonho e tudo tem remédio... És uma pessoa sadia e não vejo nada de tão preocupante neste sonho. Foi apenas um sonho! Um longo silencio novamente se instala no consultório... – Bom Dr.: não foi só isso. O pior veio depois, no fim do sonho... Eu tinha dinheiro e paguei... Depois disso, o Julinho levantou da poltrona rapidamente, saiu da sala e foi embora aliviado... Sem pagar!