" NA JANELA..."

"NA JANELA..."

Janeiro de 1986. Entre uma conversa e outra com os primos, passeios, leituras, e audição de músicas, postava-me eu defronte à janela da sala de visitas da casa de meus avós sãocarlenses...

Tentava, eu nestas ocasiões a quase impossível proeza de antever meu futuro... Na acústica de minha mente, ressoavam os acordes e a melodia de “ Forever by your side”, e muitos sonhos cruzavam meio que amorfos à minha retina...

Quem seria o homem que futuramente, levaria-me nos braços, beijaria meus virginais lábios,afagaria o liso de minhas castanhas,mas claras madeixas?

Teria ele a sensibilidade tenaz do Dr. Daniel de “ Ciranda de Pedra”, que ininterrupta e heroicamente desejava curar sua amante Laura e devolvê-la ao sacrossanto prazer de uma vida haurida na trajetória da felicidade convertida em sanidade? Ou seria ele parecido com Amaro , homem simples, quase quarentão, que tímido refugiava seu amor por Clarissa em seu claustro psíquico?

Guardaria,ele, alguma similitude com o causídico Álvaro, que a tudo desafiara: sociedade,fortuna,preconceitos para viver sua lídima estória de amor com a " Escrava Isaura"?

E se acaso ele resolvesse parodiar Eugênio,personagem central de “ Olhai os Lírios do Campo” e se deixasse conduzir pela transitoriedade dos vis valores pecuniários?

E fisicamente, que atributos ostentaria meu futuro amor? Tonitruante voz de Sérgio Chapelin, docilidade de Tony Ramos, inconfundível beleza de Marcos Paulo,simpatia irresistível de Edwin Luisi, ardente sensualidade de Roberto Pirillo, quase inigualável charme de Paulo Figueiredo, ou então o arrebatador fascínio oriundo dos anis olhos de Rubens de Falco?

Naquele tempo, queria eu viver o amor estampado nas telas dos cinemas, na deliciosa pieguice das novelas, no ardor e transgressão contido em cada beijo trocado por Padre Ralph e Maggie no seriado “ Pássaros Feridos”...

E você, não aparecia... Enquanto isso a vida seguia seu rumo... Meus avós maternos Maru e Eduardo Julio Rocha comentavam,felizes, sobre a futura construção do calçadão na Rua General Osório, que em muito valorizaria a velha casa, onde há muitos anos atrás, minha mãe, tia e tio nasceram, e sorriam para a vida que lhes brindava em seu esplendor...

E a adolescente , perdida em quimeras de seus doze anos temia pelo sofrimento que se escondia ameaçador pelos vãos das paredes...

Florbela Espanca decidiu morrer por muito amar... Zé Orocó, de “Rosinha,minha canoa”,usava sua loucura como se fora um lenitivo para seu viver solitário, insípido,miserável em sua crueldade cotidiana... Supliciado em incontáveis sessões de maus tratos e torturas no manicômio a que fora levado, decidira permanecer louco para não sucumbir ao inclemente castigo de permanecer vivo...

As férias de verão chegavam ao fim... Retornava, eu,então de São Carlos para São Paulo, aos bancos escolares, às voltas ao “ shopping”,aos bate papos com amigas de colégio...

Longe dali, a janela da casa de meus avós permanecia incógnita,em seu espesso nevoeiro... Só depois, de transcorridos tantos anos, eu pude vislumbrar com clareza o mistério que por detrás das cortinas se aninhava...

Eu,balzaquiana,advogada,aprendiz de poetisa,fiel a Jesus,encontrei o amor onde menos esperava... Nas linhas mestras de meus alinhavos poéticos, nas imortais claves de minhas sonatas preferidas, no queimor das letras das românticas canções brasileiras, no sentimento que gorjeia em mim, agora e sempre...

Ivone Maria R. Garcia (Ivoninha)

04/03/2011

* Nota da Recantista: "Ciranda de Pedra", "Clarissa", " Olhai os Lírios do Campo", "A Escrava Isaura", " Rosinha, minha canoa" e Antologia Poética de Florbela Espanca foram algumas de minhas leituras neste período de início de adolescência... "Clarissa" e" Rosinha minha canoa" foram lidos quando tinha dez anos de idade...