...E O DIABO FEZ A MULHER !

Para as colegas-amigas do Recanto, neste Dia da Mulher!

Sem preconceitos, ora ataco de Camões: “Oh! Caminho de vida nunca certo.”; ora me defendo no popular: “Andei por ceca e meca!” Meca... cidade da Arábia, famosa pela Caaba – uma construção em pedras, do tamanho de dois ônibus de turismo, empilhados um sobre o outro, que ficou negra por conta dos pecados da humanidade –, conservada no pátio da mesquita de Al-Haram. Para alcançar o céu e lá desfrutar dos favores de sete virgens, ao menos uma vez na vida o muçulmano vai em peregrinação até a Caaba, dando-lhe sete voltas. Ceca me lembra a expressão: “– Ela ficou sem ceca!” Quer dizer, sem graça. Não me perguntem o que Meca teria a ver com ceca, além da rima!

A vida se conduzia nos eixos, quando alguém cismou com meu repentino interesse pelos festejos do centenário da imigração japonesa para o Brasil. Fui empurrado conta a parede: "– Tem rabo-de-saia na jogada! Desembucha logo, vagabundo!" Revelei, em crônica anterior, haver feito parte dos estudos na cidade de São Paulo, ou mais precisamente num seminário – casa para formação de padres. Daí, arrastar pela vida esta figura meio estropiada. Mas não adentrasse eu aqueles santos umbrais... Como é preciso reconhecer-se culpado para confessar o pecado... Fomos todos (professores e seminaristas) até Suzano, próximo à capital, assistir a primeira missa do padre Joaquim. Imaginem, um ‘japinha’ com nome de português! Acho que os orientais – aqui chegados – escolhem os nomes pelo som. Os sobrenomes, contudo, permanecem aquela calamidade impossível de se pronunciar!

Ao fim da solenidade, com mesas reservadas, ofereceu-se lauto jantar para familiares, superiores religiosos e autoridades civis no salão de festas da paróquia. A nós outros, o baixo-clero, sobraram as arquibancadas! Sinceramente, não fiz caso. Vocês já experimentaram comida japonesa? Crua, fria e sem sal! Para o mineirim caipira: argh! Logo reparei numa japonesinha - bonita e atenciosa -, que passou por mim meia dúzia de vezes distribuindo bolinhos, presumivelmente de arroz. Em médias de louça, que usamos para tomar café, ela servia um ‘birinaite’ que desconfiei ser o tal saquê! Por defeito congênito no DNA abusei do líquido, de maneiras tais que em pouco tempo, num banco da pracinha em frente ao salão, eu e a Rosa conversávamos como dois velhos conhecidos. Seu nome era Rosa. Uma rosa oriental, linda e perfumada! Galante, procurei impressioná-la cantarolando desafinado – felizmente baixinho –, com a cabeça pousada no seu ombro, já íntimo, o samba imortal do Cartola: “As rosas não falam, simplesmente as rosas exalam, o perfume que roubam de ti...”. Modéstia a parte, nas artimanhas de conversa ao pé do ouvido, aplico minhas cacetadas! Ela me encantava traduzindo e ensinando palavras língua-com-língua: arigatô, obrigado; saionará, adeus...

Não me recordo até onde fomos no vocabulário; se o céu estava nublado, prometendo chuvas torrenciais; ou quantas vezes a Rosa passou embaixo da janela do ônibus, em que eu regressava à capital, despedindo-se de mim: – Vou lá te ver! Ela me garantiu. – Te espero! Respondi sem muita convicção. No seminário, as mulheres que chegavam mais perto de nós eram as colegas do Sílvio Santos, em seu programa de auditório, na TV, às tardes de domingo! Semanas depois, no pátio interno do colégio, completava eu uma roda de futuros sacerdotes, quando pressenti pelo perfume que – sutil como folha seca tocada pela brisa matinal - alguém se aproximara por trás e me cobrindo os olhos com as mãos, lânguida perguntou: – Adivinha quem é? E a Rosa me deu um abraço, beijou meu rosto com carinho... Como capítulo final da novelinha cafona, falta revelar que na tarde do dia seguinte, vindo de São Paulo, desembarquei na rodoviária de Bom Despacho, sozinho. – Arigatô, Rosa. Saionará!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 07/03/2011
Reeditado em 15/12/2011
Código do texto: T2833147