Mendel, rogai por nós

Quando ouço alguma notícia sobre um novo avanço da genética me alegro e apavoro ao mesmo tempo. Me alegro porque quem sabe com esses avanços finalmente acabaremos com o câncer, o HIV e outras doenças sem cura. Me apavoro porque quanto mais manipulável se torna o código genético mais chances de criarmos uma besteira nós temos.

O que eu entendo como "besteira"? Fui gentil, monstro ou arma biológica incontrolável seria mais apropriado. Vai dizer que você nunca pensou nisso? Você não precisa, Hollywood já cansou de fazer isso por nós. Vírus fatais, mutantes, tá tudo lá, nos filmes. E o que nos traz mais medo nisso tudo? Será o sangue, as mutilações, os cenários apocalípticos ou a possibilidade disso tudo acontecer ser muito grande?

Esse medo está por trás de qualquer avanço tecnológico, seja hoje ou ontem. Quando Marry Shelley escreveu Frankeinstein não estava apenas transformando um pesadelo que teve em literatura, mas mandando uma mensagem aos cientistas do século XIX que procuravam, ávidos, uma forma de reproduzir vida em laboratório.

Eles não conseguiram, hoje, porém, eles estão, ao que tudo indica, com a faca e o queijo na mão. E o que podemos esperar deles? O grande mal dos avanços científicos é sua ambiguidade, melhor dizendo, a nossa ambiguidade. Sim, somos humanos e cada um de nós tem objetivos diferentes. Nossa diversidade pesa sobre a ciência, assim, um invento criado para ajudar as pessoas pode perfeitamente ser usado para matá-las, como vice-versa. A dinamite foi criada para ajudar na construção civil e depois tornou-se uma famosa arma letal. O microondas doméstico, que tanto nos ajuda a ter uma refeição quente hoje, tem origem em um mortal emissor de ondas eletromagnéticas criado pelo exército americano durante a guerra fria.

Tomemos como exemplo o monge Gregory Mendel, tido como pai da genética. O seu cruzamento entre duas espécies de ervilhas é considerado o experimento inaugurador da genética. O objetivo de Mendel era produzir uma espécie de ervilha mais resistente e produtiva ao mesmo tempo. Um objetivo voltado para a agricultura, unir o útil ao agradável, como podemos ver. No entanto, o conhecimento legado por Mendel foi utilizado das mais diferentes formas, chegando ao extremo através dos experimentos nefastos do "anjo da morte" nazista Josef Mengele com gêmeos nos campos de concentração. Apesar dessas experiências, o genoma humano só foi decifrado no começo do novo milênio. Decifrado, ele inaugurou a Engenharia Genética.

O que mais me arrepia no promissor ramo da Engenharia Genética é a possibilidade de literalmente "brincar de ser Deus". Quando a tecnologia antes se restringia á máquinas, as coisas pareciam ser menos chocantes, afinal máquinas tem de ser operadas por humanos. Os tempos mudaram, contudo, e hoje máquinas podem ter inteligência artificial e organismos podem ser modificados. Isso sem falar de fundir máquinas e organismo, a Biotecnologia.

Voltando á pergunta: o que, então, podemos esperar de nossos engenheiros genéticos, inventores e cientistas em geral? Tudo. Sim, tomando com base a nossa própria história e o que conhecemos de nossa própria natureza, tudo. O que podemos fazer é batalhar pela ética na ciência e pedir que "São Mendel", padroeiro da genética, coloque juízo na cabeça desse pessoal.