COMO O TIZÉ MELOU A FESTA

Tratado por Quaresmino do Amor Divino – o homem não atende. Para todo mundo ele é simplesmente o Tizé! Apelido que se lê no seu crachá de vigilante noturno. De salário no bolso compensa a solidão das madrugadas embengando com rapariguinas cheirosas, que por chamegos de uma noitada lhe levam a grana do mês inteiro de serviço. Ao dia seguinte, qual cachorro caído de caminhão de mudança, reaparece no escritório, jurando nunca mais pingar uma gotinha do maldito fel na boca. Ou sem temor joga a culpa no santo, que abstêmio lhe fez beber tudo numa talagada! Assim assim com o patrão, escureceu que seja volta ao seu posto na guarita!

Depois de alguns trotes telefônicos (possivelmente de caloteiros), ameaçando a integridade física daquele que a todo final de mês lhe estende a mão, o Tizé nomeou-se guarda-costas particular do Patrão. Difamem sua mãe: digam que ela servia bebida e sentava no colo de homens, em certa casa suspeita na Rua da Garça, quando ali funcionava o cabaré da cidade, que ele segura as pontas. Mas ninguém beste em erguer um dedo, no rumo do Patrão! Caso trabalhe em firma com mais de dez funcionários, o bondoso leitor há de concordar comigo: alguém sempre é escolhido para alvo das gozações. Numa destas, de conluio com o Patrão, pedindo segredo absoluto o gerente-geral cochichou nas orelhas do Tizé, que a qualquer hora ele viajaria até Belo Horizonte como segurança de valores, levando o lucro da empresa. Que de tão grande as agências bancárias locais recusavam-se a receber em depósito!

A armação fazia parte de uma brincadeira para animar a festa natalina da empresa. Anualmente, chefes e empregados reuniam-se num dos galpões da firma, varando a noite entre comes e bebes. Vesprando meia-noite, o Patrão chamou o segurança para escoltá-lo na viagem – que àquela data e hora não levantaria suspeita. A surpresa é a melhor garantia do sucesso de um plano! De porta-malas abarrotado por malotes (com papel recortado), que ao Tizé foi dito serem os milhões em dinheiro vivo; para melhor despiste o veículo tomou a estrada de terra que passa na Tabatinga, bairro boêmio e violento, antiga saída para BH quando ainda a BR-262 não chegara a Bom Despacho.

Motorista e segurança no banco dianteiro; atrás o Patrão, já meio de fogo. Pelo atalho da Tabaca, alegando defeito súbito no acelerador, o chofer encostou sob um poste de iluminação. Exatamente onde e quando, disfarçado de papai-noel, o gerente-geral saia do matagal armado com uma espingarda de pressão. Mesmo de vidros fechados, todos ouviram-lhe a voz disfarçada, anunciando o assalto seguido de sequestro. Isto mesmo, além dos milhões levaria também o Patrão, como garantia de que a polícia não seria chamada. Este, entre lágrimas alcoólicas, implorava que no seu lugar fosse o Tizé! De calças sujas atrás e molhadas à frente, o segurança batia queixo de medo. No primeiro descuido proposital do sequestrador, o valente vazou na braquiária. Quer dizer, pôs em prática o dito: pernas para que vos quero - desaparecendo no arruado! Ofegante, ao achar o primeiro orelhão que funcionava, ligou para o 190 pedindo ajuda!

Patrão, motorista e gerente riam entre palpites de por onde andava o Tizé, quando de três viaturas - luminosas e barulhentas - saltaram doze policiais armados até os dentes, cercando o carro sob ordem de que o sequestrador se rendesse incondicionalmente. Do céu estrelado quase desabou uma tempestade (felizmente não de balas), quando o sargento soube que tudo não se passara de mal-entendido, uma brincadeira de natal! E somente não recolheu todos ao xilindró, porque o Patrão se comprometeu em doar cestas básicas para famílias carentes, até cobrir as despesas com a operação militar. Ainda hoje, o Tizé não acredita que fodeu com a festa. Pior, achando que salvou o Patrão, não lhe deixa sair da firma à noite, de carro, sem que ele não empoleire no banco traseiro.

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 13/03/2011
Reeditado em 13/03/2011
Código do texto: T2844562