A LENDA DA MENINA 1

Num tempo muito muito distante, aqui mesmo

neste mundo, não havia paisagem, não existi-

am dias ensolarados muito menos flores aber-

tas; elas cresciam e paravam ainda no botão.

As noites estreladas eram lenda, a lua cheia

impossível de se imaginar. Pássaros aos mi-

lhares voavam sem emitir sequer um trinado e

a humanidade, que diga-se de passagem for-

mada apenas por uma única pessoa chamada

“Menino” era triste e solitária. Menino era so-

nhador e acreditava que o mundo ainda mu-

daria muito e seria mais bonito; Ele sabia que

algo faltava, que coisas tinham que melhorar,

só não sabia que coisas, pois não conhecia

outro mundo, apenas imaginava e sabia de

alguma forma que do jeito que estava não

podia continuar. Pensava consigo: - O que é

isso prolongando-se com dois buracos entre

os meus olhos? Para que serve? E essas

duas coisas arredondadas e dobradas ao lado

do meu rosto? E meus olhos? Por que não

gosto das coisas que vejo? (se ele soubesse

que existem outras cores certamente pergun-

taria por que o mundo era cinza) E por que

quando me alimento não sinto o que como ou

bebo? E por que quando pego em algo não

sinto nada além do peso daquilo que peguei?

Por que todas as coisas parecem iguais? (Ah,

se Menino soubesse quantas texturas difer-

entes a mão é capaz de sentir, quantos

sabores nosso paladar percebe, quantos per-

fumes o olfato sente.... Mas como ele poderia

saber? Realmente nada disso existia; para

todas as coisas só havia um peso e uma tem-

peratura; não é que ele só enxergava a cor

cinza, na verdade só existia essa cor;

Perfumes? Odores? Sabores? Sons? Nada

disso havia... E Menino continuava perguntan-

do-se: - E por que os animais andam juntos e

eu sempre sozinho? - Tantas perguntas povo-

avam a mente do Menino que comovida, a

Mãe Natureza foi para sua cozinha no Reino

das fadas, dos silfos e das falenas e pegou os

seguintes ingredientes:

Duas xícaras de felicidade;

Três de imaginação;

Um quilo de sensibilidade;

Duzentos gramas de afeição e carinho;

Meio litro de mel;

O dengo de um gatinho.

Mandando que se abrissem todos os botões

de flores de todas as espécies de flores, os

quais dormiam há séculos, todas as flores do

mundo num único exalar lançaram a mistura

de todos os perfumes na receita e em seguida

metade das flores do mundo desenterraram

suas raízes e correram para a cozinha encan-

tada, onde atiraram-se dentro da mistura que

a Mãe Natureza preparava, doando à receita a

maciês de suas pétalas; a Natureza ainda

colocou no seu caldeirão:

O brilho das pedras preciosas;

Um espelhinho;

Um punhado da brisa da manhã;

Muitas gotas de orvalho.

Neste momento as cores que até então não

existiam surgiram e foram distribuidas para o

restante do mundo. Ao misturar tudo, os pás-

saros cantaram, as frutas passaram a ter

gosto e diante dos olhos espantados do

Menino surgiu o mais apaixonante ser que

pisou a face da terra, a Menina...

Da brisa da manhã que foi colocada na recei-

ta surgiu o frescor de seu hálito delicado, para

exalar docemente quando da sua boca as

notas do Céu forem entoadas; das gotas de

orvalho surgiram suas lágrimas, e um manda-

mento único para o menino: - Cada vez que

fiser a Menina chorar, o mundo lindo que você

acabou de conhecer, com animais de todas as

espécies cantando e fazendo festa; os rios e

mares, as cachoeiras, os perfumes, as cores

da natureza, o brilho das estrelas, o calor do

Sol, enfim... Tudo de bom que agora existe,

pagará o preço por você ter magoado o ser

vivo mais doce e belo que já pisou sobre a

face da Terra! Os rios serão poluídos, os pás-

saros serão extintos um a aum gradualmente

através das eras, juntamente com todos os

outros animais, o Sol será mais quente a cada

tempo deixando de ser tão agradável, a lua

não será vista todas as noites; estrelas

somente onde a Menina for respeitada e ido-

latrada em canções e serenatas; os perfumes

da natureza terão de ser reproduzidos quimi-

camente e poucas pessoas privilegiadas po-

derão adquirí-los; as cores apagar-se-ão pou-

co a pouco até que o mundo se torne mais

triste do que era antes que a Menina surgisse.

E foi assim que chegamos nos tempos atuais,

com um mundo caótico, destruído, poluído e

tomado pela frieza dos corações. Através das

eras os Meninos magoaram as preciosas Me-

ninas e somente em poucos lugares elas são

tratadas com as honrarias que merecem.

Danilo Macedo Marques
Enviado por Danilo Macedo Marques em 08/11/2006
Código do texto: T285444
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