CRÍTICA A UM JOVEM AUTOR

Era uma vez um menino muito alegre. Era pobre mas muito feliz porque tinha muitos amigos ricos. De cada um recebia dez centavos por dia.

Depois de alguns dias seu pai disse que um ladrão tinha fugido da cadeia. Certos dias depois ouve-se um tiro e então o menino correu até no chão. Seu pai ferido, mas muito ferido. O que será ter acontecido ao pai do menino? O ladrão! Grita o menino enfurecido.
Então o menino com a arma de seu pai...

O Menino chega a casa do ladrão. Manda chumbo BAM, BAM. Aquele menino! BAM,BAM,BAM. Então a polícia ouve os tiros. Muito bem rapaz. Mãos ao alto! Você fez um bom serviço menino. Será recompensado pelo comandante.

Finalmente o menino vem para sua casa com uma boa novidade. Então o menino viveu muito mais feliz do já vivia. (sic)



Antes de partirmos da casa em que moramos por mais de trinta anos, história contada em "A MUDANÇA E O MOSAICO", aqui, no RECANTO DAS LETRAS, minha sobrinha apareceu com esse texto acima: "tio, olha o que eu achei nas coisas de vovó". Nas mãos, ela tinha uma folha de caderno amarelado com uns garranchos rabiscados com algum tipo de hidrocor verde. "O MENINO ALEGRE", anunciava o título sublinhado da história. Demos umas boas risadas lendo essa primeira "obra-prima", escrita quando eu tinha uns 7 anos de idade e botem tempo que esse papel passou guardado! Ela achou que a melhor parte do texto foi justamente quando o narrador diz "Aquele menino"!!!, e ela mal conseguia parar de rir.

Tudo bem podem rir, mas depois resolvi dar uma olhada nesta cria, que estava largada numa gaveta por uns bons trinta anos, e fazer uma crítica ao conto policial do jovem autor. Descobri muitas coisas obscuras e, no mínimo, dignas de repreensão neste pequeno herói, como também no narrador da história...

A ideia inicial era comentar o enredo sem trazer para a discussão o comportamento ético do protagonista, mas, após a intromissão do narrador com o comentário "Aquele Menino", claramente vibrando com os feitos do pequeno justiçeiro, fiquei indignado e resolvi fundir na mesma pessoa - correndo um alto risco como crítico literário - o autor (eu mesmo), o narrador e a personagem! Vejamos:

O menino era sustentado por amigos ricos que lhe davam 10 centavos por dia. Isso já parece um pouco estranho, principalmente se formos ver quanto valia 10 cents naqueles idos de 1970. O que é isso? Algum tipo de mesadão? No decorrer da estória é que esse assunto vai ficar mais claro.

O pai era muito informado sobre páginas policiais, ou trabalhava no ramo, pois sabia da fuga de um reles ladrão que aparentemente não era notório, senão os seus feitos seriam citados. E por que a importância de dizer isso ao menino?

Depois de alguns dias, o pai é baleado em casa. O menino chega a ouvir o tiro, mas, quando chega, encontra apenas o pai ferido. Ele não viu quem foi, daí o questionamento do narrador sobre o que teria acontecido ao pai do garoto. De repente, o nosso herói chega à conclusão de que o ladrão que tinha fugido da cadeia era o culpado! Mas, espera aí! Como é que ele chegou a essa conclusão? Eu sinceramente não sei, mas quero crer que houve alguma informação em "off" por parte do pai e que esta não nos foi relatada. Então, o ladrão era alguém que os conhecia e que, por um motivo ou outro, queria matar o pai do menino? Acerto de contas? Seria o pai do garoto envolvido com esse tipo de gente? Ou seria ele um policial que mandou o cara para a cadeia? Não sei...

Agora vem a parte que mais me intriga: o menino pega a arma do pai - quer dizer que ele tinha uma arma afinal, hem!- e vai DIRETO PARA A CASA DO BANDIDO! Auto lá! O menino nem sequer chamou o socorro para o pai e já se despencou em direção à casa do suposto bandido - que eu já desconfio não ser o único vilão nessa estória aparentemente inocente... Quer dizer que o herói mirim sabia onde o cara morava? Talvez morasse na mesma vila ou comunidade, quem sabe, mas o fato é que ele foi direto para a casa do meliante.

De agora em diante, vem um mar de atitudes repugnantes e que me deixaram decepcionado com a história, tudo totalmente contrário a nossa civilização e direitos humanos, vejamos:

a) o menino, que até agora não parece ter provas suficientes, entra na casa do suposto ladrão e o executa com cinco tiros - pontaria admirável para esse alter-ego de 7 anos de idade! E tudo com o já citado elogio acima, "Aquele menino", entre o segundo e o terceiro tiro!

b) Em seguida, chega a polícia, que mais uma vez reforça o elogio, usando desta vez um jargão de esquadrões de extermínio, do tipo "você fez um bom serviço"! E não só isso: manda levantar as mãos o desgraçado agonizante que levou cinco tiros!!! O que é isso? Algum novo tipo de tortura aprendido da Gestapo?!!

c) O "Serviço" foi tão bem feito que até o comandante vai recompensá-lo por ter executado alguém sem ter-lhe dado direito a um julgamento justo e muito menos direito de defesa. Essa foi boa!

Enfim, esse pequeno monstro social retorna a sua casa mais feliz do que já havia sido (palavras do narrador)... Ufa, após saciar sua sede num banho de sangue, ainda tem seu trabalho reconhecido pelos que representam o Estado e que deveriam ter protegido o outro que morreu!

Concluindo, então, começa a ficar mais claro essa estória de ter uma mesada, citada no início do conto, provalmente porque essa criaturinha inocente deveria providenciar fumo ou cocaína aos filhinhos-de-papai, ou seria apenas um simples caso de extorsão, mesmo? Caso suspeitíssimo e sem solução após trinta anos! O menino alegre, pois sim!
R Leite
Enviado por R Leite em 18/03/2011
Reeditado em 08/04/2011
Código do texto: T2854953
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