PAPO EM MESA DE BOTECO

Por falta de desculpa melhor, festejei com amigos o aniversário de inauguração dos belos jardins da nossa Praça da Matriz – numa pizzaria –, chegando em casa meio alto. Pude notar, contudo, que alguém sorrateiramente passara por debaixo da porta uma folha de caderno, recheada com letras redondas enfeitadas por flores e lacinhos coloridos – delicada como corpo de mulher! – mas sem assinatura.

Mesmo assim, li. Possivelmente jovem, a presumível missivista dizia-se leitora ocasional destas crônicas, porquanto do fundo da alma sua preferência era por escrever versos apaixonados. No fim, pedia-me um macete para colocar títulos nos seus trabalhos literários, pois tinha grande dificuldade nisto. Engraçado, eu também!

Para começar do princípio, embora possa parecer coisa de maluco, quase sempre a derradeira coisa que coloco num texto é o título. Várias vezes, após ter escolhido um cabeçalho sonoro e pomposo, não consegui escrever mais uma sílaba sequer. Fiquei travado. Broxei, literariamente falando.

O lógico é se deixarem fluir palavras, frases, parágrafos – como numa cachoeira, para depois garimpar no remanso: o ouro submerge, a merda flutua! Esta pode não ser uma regra universal, mas comigo tem funcionado com razoável frequência, disto podendo dar testemunho os masoquistas leitores destes delírios.

Por tocar no assunto, lembro a conversa que tive com um amigo borracho, sobre preferências, devidamente acontecida no Bar do Araújo, entre cervejas geladas e tira-gosto de mandioca cozida com carne de porco frita. Papo de boteco todo mundo tá roxo e frouxo de saber aonde vai dar, né? Na ocasião eu defendia com unhas e dentes que os números ímpares, de figura, são mais bonitos de se ver, que os pares! Basta observar-lhes as formas e silhuetas. Talvez por morrinha mineira, aprecio sobretudo os primos – que se dividem apenas por si mesmos e pela unidade.

O número 1 é magrinho, qual top-model desfilando de lingerie. Já o 2, seu vizinho, lembra uma decadente atriz de filme pornô, que empurra os seios siliconados. O 3, na figura, é o rastro de uma bunda feminina, na areia da praia. Cheio de quinas, o 4 se parece com uma hindu, meditando de perna cruzada no joelho: de onde vim? pra onde vou?... O 5 tá na cara: é uma gestante fazendo ginástica. Comilão, o 6 esqueceu-se do regime: a barriga desceu-lhe aos pés. O 7 apresenta a nítida imagem de uma atleta no trampolim, preparada para seu salto ornamental. Pobre 8, não passa de uma gorducha reclamando frente ao espelho! Finalmente, o 9 me recorda uma intelectual, a questionar-se ou, sei lá, debruçada compondo versos...

Na saideira, o colega de copo e de cruz cismou que em minha lengalenga eu me esquecera do zero. – Como fica ele, nesta sua teoria tendenciosa, se não é ímpar nem é par? – Ora, disse-lhe, o zero fala por si. É uma bola vazia. Não é nada!... Desacompanhado de muita bebida, duvido que o meu discurso sobre números faça algum sentido: que ímpares são mais simpáticos do que pares! Porém, serviu-me para levar ao fim esta crônica, originalmente intitulada “Numerologia Feminina”, e que na última hora troquei por “Papo em mesa de boteco”. Tudo a ver, leitora anônima!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 22/03/2011
Reeditado em 25/03/2011
Código do texto: T2864475