O BRASIL , OS IMPOSTOS E OUTRAS MAZELAS

É nesta época do ano que as pessoas físicas têm que fazer sua declaração de ajuste anual, para acertar suas contas com o "Leão". Interessante esse apelido que ganhou a Receita Federal, que há muitos anos vem sendo usado e compreendido pelas pessoas. A própria Receita Federal se utiliza desse símbolo em qualquer matéria publicitária.

Mas é um um símbolo que exprime corretamente o papel da Receita Federal, que é como se fosse um leão com suas garras enormes prontas para dar o bote em nosso bolso.

Há alguns aspectos "curiosos" na legislação do imposto de renda no que diz respeito às pessoas físicas, diferentemente das pessoas jurídicas. Estas últimas podem abater da sua renda todas as despesas necessárias à sua obtenção. Sim, porque sem despesas não há como se auferir rendimentos. Nada é obtido sem custo. Mesmo entidades que vivem de doações têm um custo para auferi-las. Na verdade, as pessoas jurídicas pagam imposto sobre o lucro e não sobre a renda, conceituando-se renda como receita. E o lucro também não é o lucro contábil, em muitos casos, e sim o lucro real, que é o lucro contábil ajustado para fins fiscais.

Analisando bem a situação das empresas, os impostos, taxas e contribuições que elas pagam vão ser transferidos ao consumidor via preço de venda. Na verdade, ao final, as empresas não são oneradas com os impostos, visto que os repassam a quem compra os seus produtos. Os impostos são, nada mais nada menos, simples acréscimo ao preço dos produtos.

No final da história, concluimos que é o povo, e somente ele, a única fonte de arrecadação do governo. As empresas funcionam como agentes do governo no processo de arrecadação.

Tudo isto até aqui foi dito para deixar claro que quem sustenta a máquina governamental de um país é seu povo, ou seja, o trabalho. Esta é uma razão muito forte para que o governo saiba bem empregar os recursos arrecadados. Se isso fosse feito, o país teria muito menor desigualdade social. Então, uma poderosa ferramenta para reduzir a pobreza seria o critério competente e austero que o governo deveria ter ao usar o dinheiro público.

Mas, voltando ao que no início nos propuzemos dizer, a legislação do imposto de renda é maquiavélica em relação à pessoa física. Vamos dar alguns exemplos desse maquiavelismo. Podemos abater da nossa renda (ou proventos de qualquer natureza) as despesas com médicos, hospitais, dentistas, planos de saúde. Só que não podemos abater o gasto com os medicamentos prescritos na consulta médica. É estranho. Como vamos cuidar da nossa saúde sem adquirir os medicamentos receitados pelo médico?

Podemos abater gastos com ensino regular para nós e nossos dependentes, desde que limitados a um teto estabelecido. Acontece que o teto é insuficiente na grande maioria das vezes. Os colégios ou faculdades cobram valores muito superiores a esse teto. O ensino público, assim como a saúde pública, são deficientes em todos os sentidos, com exceção das universidades federais, o que obriga a quem tem condições arcar com os custos do ensino privado.

Além do teto ser enormemente insuficiente, não é permitido abater as despesas com livros e material escolar. Como se vê, seja na educação ou na saúde, o governo entende que medicamentos e livros não são despesas necessárias ou, pelo menos, intrinsicamente relacionadas à saúde e educação.

Também não considera que as pessoas moram e que isso gera uma despesa necessária à sobrevivência, assim como despreza os gastos com alimentação, sem a qual ninguém sobrevive. Também tributa a quem recebe aluguel mas não permite a dedução para aqueles que o pagam.

Outro detalhe curioso é o limite que pode ser deduzido por dependente, que no ano calendário 2010 é de R$1.800,00 em números redondos. Isso dá R$150,00 por mês, ou R$ 5,00 por dia. Como se com esse valor se pudesse manter um dependente, de qualquer idade. É uma brincadeira de mau gosto. Seria preferível que a legislação acabasse com todas essas enganações, como se fossem favores, e tributasse a renda através de uma tabela mais realista.

É uma incoerência total. Os inconfidentes se rebelaram contra o "quinto", ou seja, vinte por cento. Hoje a classe média não paga menos de vinte por cento da sua renda ao Leão. Além disso, paga impostos altíssimos sobre tudo o que compra, uma espécie de imposto sobre o consumo, com algumas alíquotas elevadas sobre ítens de primeira necessidade. Não seria exagero dizer que as pessoas pagam, pelo menos, quarenta por cento do que ganham em impostos.

O que as pessoas deveriam receber em troca desses quarenta por cento? Pelo menos serviços públicos de boa qualidade. Se não recebem, o nosso dinheiro está sendo mal utilizado pelo governo. E muito mal utilizado. Em países civilizados a população sabe exatamente o que paga em impostos e sabe também que recebe serviços públicos de qualidade, o que não é nenhum favor, pelo contrário, é um dever dos governantes.

O que eu estou dizendo aqui é válido para a população em geral. Não se aplica da mesma forma aos "homens públicos". Estes são diferentes. As regras que valem para nós não valem para eles. Eles recebem diversas verbas que não são tributadas. E se elegem com o nosso voto, este sempre com a esperança de que a coisa melhore. Não é o que temos visto com o passar dos anos.

Aqueles que trato por diferentes eu poderia chamar de espertalhões. Pessoas que entram na política para tirar proveito próprio, como uma maneira ardilosa de ter grandes benefícios pessoais à custa dos impostos que pagamos ao governo. E tentam nos enganar o tempo todo, com muita conversa fiada e pouco trabalho. Para não generalizar, podem haver algumas exceções, poucas, que não são suficientes para mudar a situação.

Além daqueles que recebem o nosso voto e se elegem, para

desfrutar das benesses do poder, há um enorme contingente de protegidos desses eleitos. A proteção consiste em conseguir, para os protegidos, cargos importantes no governo e nas empresas estatais. E o critério para a ocupação desses cargos é exclusivamente político, não se considerando a capacitação técnica ou administrativa dos apadrinhados e até mesmo a existência de vagas.

Fora estas artimanhas, ainda há o que se denomina propina. Muitas oportunidades existem para que as "autoridades" se beneficiem dessa excrescência sem o menor pudor. A posssibilidade de receber "algum por fora" está sempre presente, em detrimento dos interesses públicos. O "esquema" procura se autoproteger, a menos que, por uma razão muito forte, alguém apareça para denunciar.

A questão é a seguinte: até quando os brasileiros vão tolerar tais absurdos por parte das autoridades, protegidas pelo voto inocente que lhes foi confiado e tomar consciência de que, sutilmente, e às vezes nem tanto, são enganados pelos detentores do poder?

Será que podemos, seriamente, esperar que as coisas mudem? Acho que não. Os "diferentes" não têm interesse em mudar o que lhes convém. O povo se ilude com essa "briguinha política" a que estamos acostumados a ver nos meios de comunicação, sem objetivos visando melhorias para a população, cuidando apenas do seu interesse politico, político partidário ou pessoal.

Qualquer mudança importante nos rumos desse país terá que partir do seu povo. Será difícil acontecer porque falta consciência de cidadania à maior parte dos brasileiros. Essa consciência só seria adquirida por meio da educação que é, exatamente, um setor que o governo finge dar prioridade, mas que é precária. A começar pela remuneração dos professores, sua formação e competência. Alguém ainda espera que uma pessoa de boa formação profissional e intelectual vá se submeter aos míseros salários que o governo paga à classe docente? Qualquer ascensorista (não querendo desmerecê-los) dos palácios das autoridades, ganha salário muito superior ao de qualquer professor. Não tem cabimento.

Comecei esta crônica falando de impostos e terminei falando sobre políticos. Afinal, acabei falando mesmo de mazelas. E poderia ter-me estendido mas, por enquanto, fico por aqui. São tantas as mazelas neste país que seria necessário o governo nomear uma "comissão" para enumerá-las. Só que essa comissão seria, em si mesma, mais uma mazela, como é quase tudo em que se mete o governo.

Augusto Canabrava
Enviado por Augusto Canabrava em 26/03/2011
Reeditado em 07/09/2015
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