CONDOMÍNIO: ANTE-SALA DO INFERNO

Quando os limites urbanos de Bom Despacho iam da Ponte Criminosa ao Quartel do Batalhão, e da baixada do Quenta-sol aos altos da Tabatinga; quando o lixo da cidade cabia na carroça do Juca Saquinho, puxada pela besta Ventania – que geniosa empacava em tudo quanto era esquina; quando para viajar daqui até Belo Horizonte sacolejava-se por seis horas dentro de uma jardineira, em estrada de terra...

Algum conterrâneo que nessa época tivesse emigrado para o estrangeiro, só agora retornando, levaria um baita susto! Seguindo fielmente o preceito religioso, a população cresceu e se multiplicou! Prédios, hoje, derramam sombras pelo centro velho da cidade. Dizem que é o progresso! E os espigões de apartamentos são vendidos com a propaganda de que é mais tranquilo e seguro morar neles...

Porém residir nestes condomínios é viver cercado de aborrecimentos por todos os lados. Pra começar tem gente demais espremida em pouco espaço. E tudo começa na garagem. Sempre existe aquele folgado que chegando de madrugada – preferentemente bêbado de alguma festa –, deixa seu carro atravessado bloqueando a saída para outros moradores. Até que o estrupício se resolva, com alguém vindo manobrar o veículo, qualquer cidadão de brios já derramou litro-e-meio de bílis. Isto quando outro velhaco, com escorpião no bolso, economizando o pagamento de uma geral nos postos, não costuma ele mesmo lavar seu calhambeque à custa dos demais moradores, inundando a garagem com lama de estrada e estrume de curral.

Ou então, quer coisa mais antipática do que crianças passeando de elevador? Parece que é premeditado. Exatamente nos momentos mais inoportunos, ou quando se precisa entrar ou sair de casa – rapidinho –, lá estão elas fazendo turismo entre os andares do prédio. Quem não se estressa? A vontade é cozinhá-las num panelão de ferro, como faziam certos aborígenes, até virarem miniaturas para enfeite de chaveiros!

E a vizinhança? O condomínio onde moro tem praga de cigano. Não passa um dia sem mudança chegando ou saindo – e o elevador é usado como meio de transporte de carga. Todos se mudam, menos as peruas do 703. Nestes tempos modernos, em que tudo deve ser politicamente correto: pinguço é alguém que ingere líquido etílico em excesso; ladrão é quem subtrai bens alheios sem o conhecimento ou consentimento do proprietário; gordo é... me desculpem a franqueza, mas aquelas duas “elefeias” – cruzamento de elefante com baleia – são uma afronta à natureza. Sem exagero: a calcinha da menos volumosa delas, serve de capa para um fusca... e sobra pano!

Mas a porca torce o rabo nos conformes é com seus companheiros de moradia: um cachorro vira-lata e um papagaio caduco! O cravo, ensaiado, passa o dia inteiro repetindo a fala, que nem disco arranhado: “Currupaco, ô de fora! Quem taí, pode ir embora!”. O cão, também combinado, em coro late feroz como que para espantar cobradores, que a toda hora tocam a campainha do apartamento.

Pedidos verbais, cartas de advertência, abaixo-assinados... até hoje nada foi bastante para desalojar as duas corocas e seus bichos insuportáveis. Na última reunião de condomínio, brandindo um livreto ensebado, uma das “elefeias” grasnou que pela lei tal, artigo tal, inciso tal... não poderiam ser despejadas – pelo mesmo princípio que protege as minorias. Só me restou propor uma solução drástica: - Vamos trocar o síndico! Aí, alguém sussurrou no meu ouvido: - O síndico é você! Caramba!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 27/03/2011
Reeditado em 29/03/2011
Código do texto: T2873815