O ENCEBADINHO

MakinleyMenino (2011)

Viver nas ruas com liberdade descalço, sem camisa, olhares pálidos, cabelo por cortar, não eram privilégios por ser filho caçula, antes era obrigação que ninguém queria tipo acordar cedo para buscar pão e leite em um raro café da manhã, o pão era na venda do seu craveiro e o leite na porta da cooperativa. Padaria nestes dias eram empreendimentos raros, o comércio do bairro convergia a essas vendas locais. Como anotava na caderneta, não resistia clamar por algumas balas xitas, todavia cheio de desejos por um pé-de-moleque. Pão famoso naqueles dias era o de ½ kilo da extinta padaria amazonas no centro da cidade, Rua da Bahia com Tamoios.

Os meus cumprimentos ao Sr. Josafá que marcou presença nos meus tempos de menino, foi nobre e comedido com a atenção dedicada a mim, não sabia o que era uma lisonja. Entretanto, com 10 anos de idade exprimia instintivamente tais sentimentos daquela aliança do apreço e desvelo desse ilustre senhor. Fui convidado para seu septuagésimo aniversário e sozinho naquela sala de espera era servido pela macabra Eva com diversos salgadinhos e refrigerante, de vez em quando ele vinha ver se estava bem servido e a vontade, enquanto adquiria o conhecimento dos indesejáveis nos olhos e face dos seus doze filhos que ficavam a me espiar furtivamente pela fresta da porta da cozinha. Por fim, ter fama de menino de rua era consenso de desaprovação nesta nossa sociedade hipócrita, que em seus discursos a regra básica é: “Façam o que digo, mas não façam o que faço”.

Gente da rua eram o encebadinho e o negão, moradores de destino e predestinação incertos que habitavam as esquinas e marquises daquelas redondezas. No meio daquelas edificações uma construção inacabada e abandonada havia, era curiosamente propriedade do negão. A realidade antagônica desses dois elementos tem histórias inolvidáveis, um viera de São Paulo após anos fazendo economias que viu seu empreendimento baldar a sua luta e frustrarem seus esforços e objetivos de vida, mas logo sua sorte mudou quando resolveu vender o predinho e tocar novamente sua valiosa vida. O outro caiu na sorte das bebidas virando um fético desventurado da miséria e penúria. Fazíamos parte deste material cênico, uma porção deste todo, figuras características dramatizando as culturas e seus conteúdos transcendendo as aparências exteriores para a realidade urbana.

O encebadinho devia ter um nome, não me lembro qual era minhas recordações fixaram-se nos elementos da adrenalina que se estimulava quando o chamávamos pelo codinome, tempestivamente aquele homem explodia em fúria e loquacidade manifestando seu palavrório cheio de cólera e forte hálito de cachaça seguindo carreira atrás do seus algozes. Por debaixo daquela angústia, aquela máscara, imagino haver vírgulas, pontos, os desequilíbrios às reações dos meios, a fraqueza de espírito de um ser expondo à vista seus graus de complexidades abandonando a razoabilidade, preferindo viver no anonimato às circunstâncias das suas escolhas duvidosas. Essas verdades nunca saberei só as vislumbradas comparáveis ao horizonte, as montanhas e suas curvas desaparecendo nas luzes do sol poente, que em uma breve piscada projetam marcas e princípios questionáveis das atitudes humanas.

MakinleyMenino
Enviado por MakinleyMenino em 31/03/2011
Reeditado em 02/10/2011
Código do texto: T2880686
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