Felicidade

A gente passa uma infinidade de dias, meses e anos buscando pela tal felicidade. Às vezes a gente não se dá conta que ela está ao nosso lado, sempre fiel e acolhedora. Mas o ser humano, insatisfeito por natureza, acha que não é o suficiente essa felicidade fiel como um cachorrinho que, mesmo desprezado, permanece ao lado do dono, aconteça o que acontecer.

Algumas situações do dia são signas de um relato. Outras, nem tanto.

Outro dia desci na estação Brás para pegar um ônibus que só chegaria dali a uma hora, com destino a casa da minha afilhadinha em Guarulhos. Enquanto eu esperava na fila, uma senhora cheia de sacolas chegou logo depois de mim e perguntou se o ônibus era “Expresso”. Respondi que não sabia, pois, de fato aquela era a segunda vez em que eu pegava aquele ônibus ali e eu não sabia se o próximo seria Expresso ou não.

A senhora era do tipo bem falante, daquelas que saem puxando assunto com todo mundo, que conta a vida inteira e fala, fala, fala sem se cansar e sem se preocupar com o teor do assunto. Sem papas na língua.

Imagino minha mãe quando chegar à idade dela. Será mais ou menos assim. Não uma pessoa invasiva, xereta, mesquinha, mas uma pessoa de bem com a vida, que gosta de conversar com estranhos e se dá muito bem fazendo isso sem ser inconveniente. Uma pessoa com uma energia muito positiva. Assim é essa tal senhora, como minha mãe e diversas outras tias minhas.

Se fosse em alguma época bem estressada e mau humorada da minha vida, eu teria feito pouco caso da senhora e não daria atenção nenhuma. Simplesmente responderia de forma seca e monossilábica até ela se tocar e parar de falar. Mas não. Meu humor estava ótimo naquele dia e me deu uma enorme vontade de escutar o que a senhora tinha para dizer.

Senti-me inclinada a saber um pouco mais sobre aquela simpática senhora. Pensamentos passavam pela minha cabeça, tais como: será que ela é uma pessoa carente que, não tendo atenção dos filhos acaba se afeiçoando a qualquer estranho que lhe corresponde com meia dúzia de palavras? Ou seria ela uma viúva solitária tentando se distrair passeando pela cidade? Talvez seria apenas uma pessoa que sabe viver a vida e, deste modo, serve de exemplo para diversos jovens apressados e carrancudos que só sabem olhar para seus umbigos ao invés de tentarem aprender algo com a sabedoria do cotidiano de pessoas mais velhas...

Até pensei que fosse uma senhora má, bisbilhoteira, intrometida e excessivamente religiosa. Talvez quisesse me pregar algum tipo de sermão, afinal eu estava inteiramente de preto, camiseta de banda de Heavy Metal, semblante fechado, mochilona nas costas e fones no ouvido. Tipicamente pronta para não receber a aproximação e muito menos ouvir ninguém. Mas ela sequer me julgou pela aparência (deu para perceber que ela não me olhou torto nenhuma vez), pelo contrário, ela enxergou dentro de mim aquilo que eu realmente sou: uma jovem comum, de boa família, de boa índole e de coração em paz, que era como eu estava naquele momento.

A senhora falou sobre várias coisas só nos trinta minutos que ficou ali no ponto. Falou sobre a sobrinha que pretendia visitar ali perto, mas que, por causa da chuva, resolveu pegar o ônibus para Guarulhos e deixaria para visitá-la no dia seguinte. Falou sobre as coisas que havia comprado ali no Brás, inclusive uns docinhos que levaria para o sobrinho que iria visitar. Contou sobre uma loja repleta de coisas boas e com preços baixos que tem ali no Brás e onde costuma comprar roupas, sapatos e acessórios que suas sobrinhas sempre gostam e pedem - e ela simplesmente dá porque acha que fica bonito nelas!

Contou também de uma vizinha bem velhinha que ela acompanha quando a mesma precisa ir ao banco, sendo que da última vez foi porque a tal velhinha estava pedindo um empréstimo para ajudar o filho a comprar um carro. Além de citar que ela aconselhou a velhinha a não fazer mais esse tipo de empréstimo para pagar em trocentas mil vezes (imaginando que uma pessoa de muita idade não pode programar algo para pagar em muitos anos), ela também mencionou o fato de a velhinha ser costureira (e das boas!) que transforma cortinas velhas em cortinas novinhas e que, ainda que esta seja uma das suas fontes de renda, sempre enfrenta aquelas pessoas com a cara de pau de todo dia arranjar uma desculpa para não pagar. Citou até mesmo a história de uma empregada que estragou a cortina do patrão e que implorou para a velhinha costurar senão ela perderia o emprego... A velhinha, mais do que prontamente fez a costura impecável, mas quem disse que a tal empregada pagou?

E mais histórias a senhora contou e eu pacientemente ouvi, até que chegou um ônibus sem nenhuma intenção de ser o tal “Expresso”, senão ele viria com a sigla “EX” na frente, assim como mencionava a placa ali no ponto. A senhora ainda comentou que geralmente, dependendo do horário, um ônibus que não vem como Expresso acaba mudando, de acordo com a autorização do fiscal. Mas pelo jeito aquele ali não mudaria. E eu incentivei a senhora a ir visitar a sobrinha, pois a chuva havia parado, ainda estava cedo (por volta das 14h) e assim ela não precisaria vir no dia seguinte.

Durante toda a conversa no ponto de ônibus, a senhora tentava pegar algo em uma das sacolas e não conseguia. Mas no final ela conseguiu. Era uma caixa cheia de chocolates que ela entregaria para o sobrinho. Ela abriu a caixa, gentilmente me deu um chocolate e resolveu ir visitar a sobrinha, afinal era ali pertinho, ela estava com sede e já aproveitaria para deixar os doces para o menino. Simples.

Ela se despediu de mim com muita alegria e eu desejei um ótimo dia a ela. Disse que a sobrinha e o filho ficariam muito felizes com a visita.

Entrei no ônibus, que não era Expresso, e enfrentei o longo itinerário até a casa da minha comadre. No caminho me lembrei da tal senhora. Senti-me invadida por uma boa energia e pensei em todas as vezes que não dei atenção para quem vinha puxar assunto comigo na fila do ponto de ônibus, no supermercado, na portaria do prédio, dentro de alguma loja...

Tantas experiências eu deixei de trocar. Tantas histórias eu deixei de ouvir. Tantas coisas eu deixei de aprender... Será que fez falta na minha vida? Talvez não. Mas certamente eu tenha perdido boas histórias assim como essa para contar...

02/2011

Elaine Thrash
Enviado por Elaine Thrash em 31/03/2011
Reeditado em 08/04/2011
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