XINGANDO V. EXª. MAS COM TODO RESPEITO

Nas Câmaras Municipais e na Federal, nas Assembléias Legislativas e no Senado da República, cidadãos comuns tratam-se de Vossa Excelência. É do protocolo, da norma de tratamento. Mas, é ridículo ver e ouvir vereadores, principalmente os de pequenas cidades, onde todos se conhecem e convivem diariamente, tratarem-se como se estivessem ainda no Brasil colônia portuguesa do século XVII. Seu Dozinho da farmácia, seu Gonçalves da padaria, Dr. Gomes e Dr. Anacleto, um dentista outro médico; Doralina do Peixe, líder da comunidade dos pescadores, Ribamar, do Sindicato dos professores, Anabela, ex rainha do carnaval, Seu Ambrósio, borracheiro do Posto Esso, e outros tantos e iguais a tratarem-se de V. Exª. E isso somente nas quartas feiras que é quando a Câmara Municipal se reúne. É ridículo, beirando a hilaridade. Já vi Câmaras Municipais com essa formação e ouvi essa elegante e solene maneira de tratamento em algumas simpáticas e aconchegantes pequenas cidades dos confins do Brasil. Certa vez, onde foi não digo, por razões que vão alem da ética, um vereador, conhecido de todos na pequena cidade, mas investido de seu cargo e do alto da tribuna questionava determinada providencia que um de seus pares pedia com insistência e com argumentos que lhe conferiam uma aparente escolaridade e bons dentes.

= “Vossacelença não tem previlégio, nem colégio; não tem pustura nem cumpustura e nem dentadura boa pra mi morde.”

Estremecimento geral, a casa quase vem abaixo; mas das risadas, dos gritos e dos assovios.

O Presidente da sessão, não tirava o dedo da estridente campanhinha; e pedindo silêncio fazia mais barulho.

Depois da troca de muitos impropérios, insultos e imprecações, que aqui reproduzi-las seria apenas mais uma inconveniência, o presidente deu por encerrada a reunião. Nada havia sido resolvido, nem votado, nem aprovado, nem reprovado e como de costume suas excelências trataram de cuidar de seus afazeres ignorando que esse tratamento não deve ser usado por vereadores. Mas eles usam, fazem questão do tratamento, as vossas excelências.

A delicadeza e a solene elegância do tratamento usado em todas as casas legislativas não combinam com a ironia e a agressão sutil e bem educada que os mais espertos e experientes costumam usar; ou será que lá tudo combina perfeitamente?

Oradores, tribunos, não tivemos muitos na República, e entre os poucos Carlos Lacerda foi um deles. Certa vez, fazendo um contundente pronunciamento na tribuna da Câmara Federal, foi aparteado diversas e insistentes vezes por um deputado. Lacerda não dava o aparte e menos ainda prestava-lhe atenção. Então se estabeleceu esse rápido diálogo.

- “Deputado Carlos Lacerda V. Exª não me concede um aparte. Fala,fala,fala sem parar. V. Exª é um purgante!”

Lacerda sem demonstrar nenhuma perturbação e com a cortesia e elegância que caracteriza o tratamento solene e protocolar simplesmente disse

- “E V. Exª que tanto insiste no aparte é o efeito.”

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 03/04/2011
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