PIPOCA E FAVORITA

O século XXI foi inaugurado sob os auspícios da mais extremada modernidade tecnológica da história humana. Há umas coisas que, se não fossem os olhos muita gente não acreditaria nem em relatos de tão ultrapassadas que soam aos ouvidos de uma geração high tech. Mas aqui, como em muitos lugares o novo vai convivendo com o antigo até estes últimos ficarem restritos às casas de colecionadores, esses renitentes demodês do mais alto valor histórico. Sem eles e os museus muita coisa já teria ido pro beleléu sem deixar rastros. O progresso é inclemente com a história ou o homem é indiferente a ela?

Pois não é que ainda há carroceiros em BH? Eles são regulamentados pela prefeitura como prestadores de serviços urbanos de várias naturezas, sendo a principal o recolhimento de pequenos entulhos. Para quem não pode pagar um caminhão, já vi muitas delas fazendo, inclusive, mudanças de casas. Até placa no detran elas possuem. Só não sei se pagam IPVA, o que não seria de assustar frente aos poderes públicos vampiros sedentos de impostos. Aqui mesmo na minha casa toda vez que há restos de poda ou qualquer cacareco que vou dispensando, tenho um cartão do meu já velho conhecido Zé Carroceiro. Uma chamadinha pelo celular e ele está buzinando minutos depois à porta. Ou melhor, zurrando com sua égua ou mula de porte altivo e bem cuidada. A um preço módico e uma urinada fedorenta na área externa (que ele faz questão de lavar depois, sejamos justos), leva tudo e quando é muita coisa divide em duas viagens a fim de não sobrecarregar sua companheira de trabalho e mantenedora do sustento de sua família.

Agora, a malandragem que não é chegada a um trampo mas gosta de sondar facilidades para sobreviver à custa do alheio deu para furtar éguas, mulas e burros. Já é a segunda vez nesse ano que abro os jornais e dou com a notícia de um carroceiro desolado fazendo BO na polícia* a fim de resgatar seus animais/instrumentos de trabalho. Elas foram roubadas enquanto ele as deixou amarradas para ir a um velório. No caso de hoje, Pipoca e Favorita extrapolam essa relação, segundo seu próprio dono. Seriam membros da família, de tanto apego que todos na casa possuem com os animais. O dono desesperado sem o seu ganha pão e as crianças desoladas sem seus “brinquedos” vivos. Êta, Brasil!

*Fonte: jornal hoje em dia 06/04/11

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 08/04/2011
Código do texto: T2895970
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