Muito barulho por nada
- Na Fisioterapia, ser chamada de Dona Maria me aborrece. Esqueceram-se de avisar aos funcionários do estabelecimento que o nome é a coisa mais preciosa que uma pessoa tem. E aí elas nos chamam, a todas que temos Maria como primeiro nome, de Dona Maria. Não importa que sejamos Maria outra coisa, Aparecida ou Conceição, somos todas, Dona Maria. E isso está me dando nos nervos – é um tal de Dona Maria para cá e Dona Maria para lá, uma chatice só. Reclamar com quem? Com a proprietária? Com cada uma das funcionárias? Com o bispo? Sei não, só sei que em vez de ficar aborrecida, preciso fazer alguma coisa. Só não quero fazer muito barulho por nada.

- Fila de banco: na agência do Bradesco que eu freqüento tem uma fila especial – não é uma fila para pessoas especiais, é uma fila para resolver problemas especiais. Problemas que não se resolvem nos caixas eletrônicos e nem com os caixas não eletrônicos. Então fica ali no atendimento um Gerente bem qualificado a espera que levemos para ele nossos problemas. Eu queria pouco, apenas uma informação sobre Imposto de Renda. O caso é que de minuto em minuto alguém furava a fila, querendo fazer só uma perguntinha. É só uma perguntinha, diziam com um sorriso para justificar. E assim foi o primeiro, o segundo e o terceiro. Eu também só queria fazer uma perguntinha, bem como quem estava atrás de mim e quem estava na minha frente. Mas a nossa perguntinha estava demorando demais a sair da boca e eu fui levando na esportiva e mais uma vez começando a ficar aborrecida, mas ainda sem querer fazer muito barulho por nada.

- Fazer um raio-X dos joelhos não deveria ser complicado. Mas a essa altura do dia só podia ser complicado. A atendente me perguntou: é só de um joelho ou são os dois? Os dois, respondi. Ah, então a senhora vai ter que trocar a autorização no Plano de Saúde porque aqui está autorizando só um. Ainda bem que o bom senso imperou, já que pude fazer os dois joelhos e só trazer a nova autorização quando for buscar o resultado. Mas não pude deixar de me lembrar-me que a sede do Plano fica na Rodovia, que é impossível ir lá a pé e que eu provavelmente ia ter que pagar um motoboy para levar a solicitação para trocar e depois para ir buscá-la. Não, não vale à pena reclamar, é fazer muito barulho por nada. 
 
Fui até a Secretaria de Educação, resolver um problema para a funcionária da Fábrica de Pães. Ela mudou-se de um extremo da cidade para outro, as crianças precisam mudar de Escola. Fácil e corriqueiro o assunto, a não ser pelo fato dela não ter passado, por escrito, todas as informações que solicitei. Irritar-se, para que? Seria fazer muito barulho por nada.

- Meu dia estava transcorrendo todo a pé. Andar de carro está se tornando impossível porque não existe lugar para estacionar. E assim eu fui indo e tentando resolver todos os problemas planejados para esta manhã. Com isso o tempo foi passando e a minha fome aumentando. E é uma fome estranha em função de um regime estranho – por orientação médica eu preciso comer de três em três horas, pequenas quantidades. Se não como, sinto fraqueza. Nesse ínterim pulei as primeiras três horas e quando vi já era hora do almoço e eu ainda estava longe, bem longe de casa. Comecei o retorno apressada, tentando não deixar passar muito tempo sem comer e evitando comer na rua, mas é inacreditável, todas as pessoas que cruzavam comigo resolveram me perguntar as horas. Eu mal olhava no relógio e respondia aproximadamente, mas juro, os dois últimos eu nem respondi. Estava a ponto de fazer muito barulho por nada e dar um vexame em publico.

- E ainda deu para passar na minha Fábrica de Pães e descobrir que a pessoa que iria trocar as telhas do corredor de ligação que une a Área de Distribuição a Garagem estava de braços cruzados porque a Casa de Material de Construção não havia entregado o que fora adquirido. Mas será que valeria a pena fazer muito barulho por nada?

Não, não vale. E sem alternativa, depois de satisfeito o estômago é melhor ligar a TV e ouvir...
muito barulho por nada.
 
 
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