A ARTE DE CRUZAR AS PERNAS

Homem, bem ou mal, senta-se de qualquer jeito, em qualquer lugar onde esteja. E se senta sem problema algum. Um gajo que se preze, sendo o bicho homem, abre bem as pernas, ao sentar-se, muito a cavalheiro. Sem qualquer observância de etiqueta. Em geral, senta-se arreganhando as pernas a, no mínimo, uns 180º.

Agora, no caso da mulher, ela tem é que ter técnica e charme no ato de sentar-se. Convenções bobas da sociedade. Por mim, essa exigência seria abolida. Mas não é enfeitar o pavão, não. Observei a matéria em muitas ocasiões sociais. Em público, com raríssimas exceções, as musas do belo sexo carecem de tomar algumas posições de sentido. Basta que peguem carona ao sofá ou outro tipo de cadeira.

Vi como as damas se ajeitam, quando tomam um assento. Olhei o jeitão delas, que até fazem pose ou se recatam, como que não querendo deixar que o seu sexo desabe ali mesmo, no patamar do recinto. É certo: não por mim, que não sou bom em etiqueta, mas mulher precisa de capacitar-se na arte de cruzar as pernas. Quando elas não dominam a disciplina, são rotuladas de bregas, exibicionistas, o diabo a dez.

Uma vez, no Piauí, dei com uma boa e bonitona, que, em plenas reuniões sindicais, nem se importava com etiqueta. Filha de comerciante rico, em outra cidade, cursando um mestrado na Capital, para que ia ela seguir bobagem de etiqueta? Abria a porteira das pernas e quem bem quisesse que moderasse lá as suas reações. Sempre de calcinha branca, com direito a lindas pernas cor de canela a balouçar ao vento, a lapa de moça era de fechar as nossas reuniões.

Olhem as atrizes da tevê como sabem sentar-se, no bom sentido. Parece que ensaiam previamente. E fazem um aninhado, chega colam as pernas uma na outra. Não se vê nem azul. Claro que, sob outro ponto de vista, os espreitadores de plantão não encaram esse “bom sentido”.

Desavergonhados, os “brecheiros” preferem é que a mulher escancare bem o seu belo par de pernas, principalmente se forem pernas possantes, grossas, lisinhas e alabastrinas. Nem importam as cores possíveis que venham lá de dentro. Ah, pernas alabastrinas são demais, já notou isto um menestrel. Detalhe básico: que as ditas peças artísticas não sejam portadoras de marquinhas de perebas.

Eu era meio bobo, não dava muita atenção quando u’a mina ia sentar-se. Até que, numa reunião de escola, lá me aparece uma senhorinha diretora, sentando-se, toda não me toques. Com elegância, a mulher levantou a esquerda sobre a perna direita que foi um lance bonito de ser ver. Ô par de membros inferiores! Fiz, depois, um poema meio chocho no qual tentei fixar aquele momento de emoções indizíveis dos meus olhos.

A partir do lance daquela pedagoga, em diante, senhora que, por sinal, nem era de uma carinha para se pôr à vitrine, foi que comecei a dar importância à arte de sentar-se das mulheres. O sofá de D. Hebe, na tevê, foi um dos meus melhores campos de estudo. Ou, por outra, uma arena dos meus olhares. Além do mais, existem aqueles versos que não se querem emudecer do nosso poeta maior, o De Moraes, e nos quais o Vinícius sentencia solenemente: “É preciso que umas pélvicas despontem, / sobretudo as rótulas no cruzar das pernas”.

Vamos e venhamos, meu povo!... Deus que nos livre! Agora, se a madama tem rótulas ossudas, em forma de setas, ai dos meus pobres olhos. Aí a boniteza vira coisa sem eira nem beira. A paisagem fica chata pra cachorro. O cabeção das rótulas da mulher urge que seja lisinho, roliço, com planuras arredondadas, sob o formato da torre de um templo gótico ou barroco.

Não; as faces da senhora dona pedagoga não eram lá tão beleza pura. Mas dela as pernas, com todo o rigor, na arte de serem cruzadas, me botaram de ventas acesas. E – não vou mentir, não –, dentro da maior ética e discrição que me foram possíveis, eu dei mesmo uma olhada segura, aquela coisa que a moçada, por aí, chama de “dar uma boa brechada”.

Fort., 08/04/2011.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 08/04/2011
Reeditado em 09/04/2011
Código do texto: T2896612
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