O bairro italiano do Bixiga e Nossa Senhora de Achiropita

Hora do encontro com o divino, com as mais profundas sensações de aproximação com o Eterno : todas as vezes que vou a São Paulo, meu querido berço, e me desloco para o bairro italiano do Bixiga.

Muitas vezes chorei ao entrar na igreja de Santa Achiropita. Sempre olhei minuciosamente toda aquela construção, os detalhes, todos impregnados de uma luta e de sonhos sem fim. Os nossos antepassados italianos, que ajudaram a fazer de São Paulo uma das maiores cidades do mundo depositaram ali o melhor das suas vidas: a fé somada ao trabalho, o fazer uma herança para os seus rebentos, o construir um novo tempo, um novo mundo! E era sempre tempo de se valorizar as saudades, a língua, a família. Quantas lágrimas foram deixadas ali! Quantas saudades dos que ficaram para trás e que jamais se reencontrariam! Era preciso aprender a lidar com isso, vivenciar a nova realidade, desenhar uma nova história no meio da pobreza. Até porque manter a família unida era – possivelmente – a única garantia de sobrevivência. A comida deveria dar para todos, mesmo que fosse uma simples polenta, um pão do forno a lenha. E tudo com o sabor de construção, lenta mas com alicerce no trabalho e na fé. Sempre imaginei a Santa Achiropita vindo junto, atravessando o Atlântico, a partir da Calábria, acompanhando os imigrantes, nas suas maiores ansiedades, nas suas buscas, sonhos e esperanças. Era preciso sobreviver. Século XIX! Tantas ameaças de mais pobreza no recém nascido país chamado Itália! Tantas privações e as pessoas procurando o seu sustento, o seu lavoro. Mas certamente Nossa Senhora veio junto, fazendo companhia e abraçando a todos esses nossos antepassados, naquele misto de força e fraqueza, dúvidas e crenças, olhar para o futuro mas com o pé encravado nos tempos idos.

Santa Achiropita sempre foi viva! Ainda no século VI, em Rossano, na Calábria, um devoto da Virgem Maria pediu autorização para o Imperador da então capital do Império Romano, Constantinopla, para transformar uma gruta num santuário a Nossa Senhora. Mediante a autorização do imperador, diversos pintores se deslocaram de Bizâncio a fim de elaborarem a obra, mas o trabalho dos pintores resultava sempre em fracasso. Ao longo dos dias, os artistas trabalhavam em sua obra, porém à noite, a imagem desaparecia misteriosamente. Inconformado com a situação, o governador local ordenou que aquele espaço fosse vigiado no final do dia após a saída dos artistas. Numa noite, o vigia viu surgir repentinamente uma jovem , de rara beleza, trajando uma túnica de seda pura, exibindo uma luminosidade intensa. A jovem pediu ao guarda para que se afastasse do local. No dia seguinte, após ser informado sobre o episódio, o governador dirigiu-se à igreja e, para seu espanto, deparou-se com uma bela imagem da Mãe de Deus pintada no mesmo lugar onde os pintores tentaram expressar a sua arte. Nossa Senhora havia pintado a sua própria imagem! Rapidamente a notícia se espalhou por toda a região. Os fiéis começaram a chegar ao lugar do milagre e aclamavam entre lágrimas e cânticos de louvor: "Achiropita! Achiropita", que quer dizer: "imagem não pintada por mãos humanas!"

Essa história me remete à fé inabalável misturada às angústias passadas pelos imigrantes, carregando nos braços os seus filhos, seus poucos pertences, tentando abrir um novo espaço, buscando vida em terras estrangeiras. À partir da construção da igreja no Bixiga o bairro foi se estendendo, no início do século XX, como os filhos que gostam de sempre consultar a mãe, abraçar, olhar para ela, tendo sempre a certeza da sua doce e eterna presença. Extremamente humana é a oração a Santa Achiropita:

Virgem Santíssima, Mãe de Deus e nossa Mãe Achiropita, volvei o vosso olhar piedoso para nós e para as nossas famílias. Através dos séculos, pelos milagres e pelas aparições, mostrastes ser Medianeira perene de graças. Tende compaixão das dificuldades em que nos encontramos e das tristezas que amarguram a nossa vida. Vós, coroada Rainha, à direita do Vosso Filho, cheia de glória imortal, podeis auxiliar-nos. Tudo o que está em nós e em volta de nós, receba as vossas bênçãos maternais. Ó Rainha Achiropita, prometemos dedicar-vos toda a nossa vida para a honra do vosso culto e a serviço de nossos irmãos. Solicitamos de vossa maternal bondade os auxílios em nossas necessidades e a graça de viver sob a vossa constante proteção, consolados em nossas aflições e livres das presentes angústias. Com confiança podemos repetir que, não recorre a vós inutilmente aquele que Vos invoca sob o título de "Achiropita". Amém.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 10/04/2011
Código do texto: T2900703