Deus eu te amo...

Deus eu te amo...

... obrigada por salvar a minha vida.

Até aquele momento eu tinha conseguido acompanhar todas as reportagens e repercussão sobre a chacina ocorrida na Escola Municipal Tasso da Silveira no Rio de janeiro sem chorar. Emocionado, triste, consternado, mas não tinha chorado até ouvir a frase: “Deus eu te amo, obrigada por salvar a minha vida” dita por uma menina de 12 anos, sobrevivente da tragédia, que abalou o país.

Não imagino a dor dos pais, a angústia e o desespero das crianças, naquele breve e trágico momento, que jamais será esquecido.

Crianças entre 12 a 15 anos sendo barbaramente assassinadas, até a ação daqueles, que aos contrários de BBB e artistas, idolatrados por nossa sociedade, realmente podemos chamar de heróis: como o sargento da Policia Militar do Rio de Janeiro Márcio Alves, o professor de Geografia Luciano Lourenço e outros professores e alunos, heróis anônimos, que com suas atitudes, impediram que mais vidas fossem ceifadas.

Crianças que tiveram seus sonhos interrompidos, a lei da natureza invertendo-se e nós vendo pais enterrando seus filhos.

Todos que temos filhos, não nos imaginamos ou nem sabemos se suportariamos se tivéssemos essa lógica invertida, principalmente da forma que aconteceu.

Todos nós já tivemos as idades dessas crianças, também cursamos o ensino fundamental.

E quando me lembro dessa época de escola, lembro dos amigos, dos quais alguns poucos ainda tenho o prazer de compartilhar a amizade. Lembro dos jogos de futebol na quadra, que ficava embaixo das mangueiras. Lembro do macarrão com sardinha que era servido no lanche, ou na merenda como dizemos no Ceará. Lembro das professoras Lúcia e Selma e outros, cujo rosto e nome o tempo apagou da minha memória. Lembro de algumas vezes que fui colocado para fora de aula por causa de bagunças.

Quase 30 anos depois, são essas as lembranças que me surgem quando recordo daquela época.

Lembranças que me fazem sorrir, sentir saudades.

São essas as lembranças que quase todos nós temos desse período de nossas vidas.

Fazemos até questão de passar em frente ao colégio e mostrarmos aos filhos, amigos, à família e falarmos: Eu estudei aqui.

Mas que lembranças esses alunos terão da Escola Municipal Tássio da Silveira daqui a 20, 30 anos?

Que lembranças terão por toda vida?

Será que os que sobreviveram levarão seus filhos até lá e dirão: foi aqui que eu estudei?

Não somente aqueles que morreram e suas famílias tiveram seus sonhos interrompidos

Aqueles que escaparam também.

Interromperam o sonho destas crianças de acreditarem no próximo.

Interromperam o sonho de não terem medo.

Interromperam o sonho de fecharem os olhos e poderem dormir tranquilos.

Se alguns dos sonhos destes meninos e meninas foram interrompidos, que não deixemos suas esperanças serem sepultadas.

Quando daqui alguns dias retornarem às aulas no Tássio da Silveira, cadeiras estarão vazias, algumas para sempre.

Os professores com a voz embargadas farão a chamada, mas não poderão mais chamar os nomes daqueles que partiram, mas lá de cima

Luiza Paula da Silveira, 14 anos

Karine Chagas de Oliveira, 14

Larissa dos Santos Atanázio, 13

Rafael Pereira da Silva, 14

Samira Pires Ribeiro, 13

Mariana Rocha de Souza, 12

Ana Carolina Pacheco da Silva, 13

Bianca Rocha Tavares, 13

Géssica Guedes Pereira, 15

Laryssa Silva Martins, 13

Milena dos Santos Nascimento, 14

Igor Moraes da Silva, 13

estarão respondendo “PRESENTE” para Deus, se eles não estão mais entre nós, como a menina que citei no inicio, é porque Deus os quis na sua Sala de Aula, na Escola do Maior dos Mestres.