Intersubjetividade em Gabriel Marcel

A Filosofia da existência emergiu a partir de dois contextos completamente antagônicos e reinantes da época: a metafísica, marcada por seu alto nível de abstração, e a objetivação, marcada por seu alto nível de experimentos e comprovações empíricas. Enquanto a metafísica se ocupava de temas como Deus, verdade, bondade, a objetivação se ocupava com métodos científicos e experimentais. Não havia espaço para falar sobre as relações, sobre o outro. Gostaria de tratar sobre Gabriel Marcel, pouco mencionado nos estudos filosóficos. Gabriel Marcel viveu a desolação da Primeira Guerra Mundial e percebeu que: “Apontou um ser de dores e alegrias, descobrimentos e decepções, não podendo mais se contentar com as formas abstratas, que até então o satisfaziam. Pois, essa época traz a experiência profunda do mim mesmo.”[1] Uma crítica direta e clara à tradição metafísica ocidental que preconizava as formas abstratas, que tem como legítimos representantes filósofos gregos como Sócrates, Platão, Aristóteles, filósofos do medievo como Agostinho e Tomás de Aquino. Marcel sente a necessidade de falar sobre a interioridade, sobre o ser e a subjetividade. O que está em jogo aqui é o questionamento sobre o ser. Seria o ser relacionado com o eu ? Ele responde: “...viemos depois de outros, dos quais temos recebido muito (...), e que, em relação a outros seres, também viemos antes”[2] Marcel constata que o ser em um primeiro momento não se relaciona com o eu, mas com o outro. Muitos já vieram antes de mim, muitos já contribuíram com tantas coisas bem antes de mim. Existe um antes e depois de mim. Isto indica que não sou absoluto nesta relação. Não indica que eu sou melhor e nem pior. Indica um antes e um depois. Hoje recebo e amanhã cederei. Esboça-se o conceito de alteridade. Para Marcel: , “... na medida em que, pela minha própria experiência, me elevar a uma percepção verdadeiramente concreta, estarei em condições de ascender a uma compreensão afetiva do outro, da experiência do outro.” A corrente metafísica está sendo o alvo da crítica de Marcel novamente. Pela visão metafísica, o ponto de partida é o imaterial para o material. Marcel propõe o contrário: do material para o imaterial. Submerso plenamente pela experiência sensível, posso me elevar na perspectiva do outro. Mas se o ser, em um primeiro momento, se relaciona com o outro, qual é o espaço para a subjetividade? O filósofo responde: “Não me preocupo pelo ser, senão na medida em que tomo consciência, mais ou menos distinta, da unidade subjacente que me une a outros seres, cuja realidade presencio.” O papel da subjetividade se clareia, na medida tomo consciência do outro. Logo, estou diante de uma subjetividade na perspectiva de alguém. Mais: não somente uma subjetividade, mas uma intersubjetividade, já que descubro o eu na relação com o outro. Percebo também que há tanta fragilidade do lado de lá, quanto do lado de cá. Isto implica que sou um ser em trânsito, um ser em relação, que descobre seu eu na relação com o outro. Como não notar as premissas de participação e envolvimento embutidos nesses argumentos ? Com a palavra, Marcel: “Participar significa simplesmente receber uma parte, um fragmento de um todo dado. Por isso, é impossível participar com todo nosso ser numa empresa, ou numa aventura, sem experimentar, em certa medida, o sentimento de ser arrastado; e esta, sem dúvida, é a condição indispensável que permite ao homem resistir a uma fadiga em que sucumbiria se estivesse só.” [3]

[1] MARCEL, Gabriel. El Mistério del Ser. Buenos Aires, Ed. Sudamericana, 1953, p.202

[2] MARCEL, Gabriel. El Mistério del Ser. Buenos Aires, Ed. Sudamericana, 1953, p.204

[3] MARCEL, Gabriel. El Mistério del Ser. Buenos Aires, Ed. Sudamericana, 1953, p.115-116