Difícil escolha

Ontem escrevi sobre a decepção do jovem Marquinho, filho de Esmeraldo. O menino questionava os argumentos do pai sobre estudar ou deixar de fazê-lo. O garoto, inteligente e perspicaz, insistia em advogar que os gazeteiros, os preguiçosos e todos os que trocaram os livros pela bola, televisão ou guitarra, deram-se melhor que os doutorados nas diversas ciências do conhecimento humano. Esses gastaram tempo sem conta e dinheiro, às vezes, sem possuí-lo suficientemente, ficando endividados em face dos exorbitantes juros cobrados pelo governo sobre o crédito educativo.

Esmeraldo não conseguiu convencer o filho a estudar. O garoto, ainda em terna idade, já se sentia suficientemente “maduro” para escolher seu destino. Resolveu, conforme viram os leitores na crônica intitulada “Difícil Explicação”, tornar-se político. Espelhava-se, consoante argumentou ao pai, nessa privilegiada classe, composta, em sua maioria, de pessoas desonestas. Disse, na ocasião do interrogatório paterno, que em se tornando deputado ou senador, jamais seria penalizado por seus malfeitos. A desonestidade do homem público leva-o ao enriquecimento rápido, injustificável, porém, sem lhe ser aplicada qualquer punição. O eleitor despreparado, ingênuo e irresponsável jamais o pune, negando-lhe o voto.

Marquinho largou os estudos mal iniciados, mas não a escola. Resolveu, enquanto não alcançasse considerável expressão popular, matricular-se na Escolinha de Futebol que recebera o título de famoso jogador do passado. Enquanto praticasse o esporte das multidões brasileiras, iria engajar-se em movimentos sociais da esquerda política oportunista, pois, se não lograsse êxito como futebolista, garantiria o trampolim para tornar-se, no futuro, deputado ou senador. Para eleger-se, pensava, não dependeria de dinheiro, pois as empresas privadas custeariam suas campanhas visando ser reembolsadas com a contratação de obras superfaturas, sob sua influência.

Pai e filho divergiam, sem possibilidade de acordo. Considerando que nos dias atuais a liberdade excessiva se impõe ao bom senso, venceu o garoto, que pratica futebol pela manhã, guitarra à tarde, e à noite frequenta reuniões de certo sindicato que o instrui na política rasteira de corporações dessa categoria.

Quando escrevi “Difícil Explicação”, no dia de ontem, 14 de abril de 2011, argumentei, nas palavras de Esmeraldo, que na vida é necessário somar conhecimento ao longo dos anos, aprimorar a cultura e os valores morais e profissionais, a fim de se obter o sucesso. De nada adiantou ao filho daquele meu amigo, como vimos no item precedente.

Hoje, trato de um assunto semelhante, embora mais delicado. Refere-se à estória de Gilson, o Gilsinho, menino de boa família, nascido e criado sob severa orientação do pai, um intransigente defensor da moralidade.

Quando Gilsinho era pequeno, pediu à mãe que o matriculasse em uma escola de Balé, pois ele pretendia enveredar pelos caminhos da arte. Espelhava-se nos grandes nomes dessa dança que exige graça e precisão, com poses e passos delicados.

O pai do garoto foi radicalmente contra. Jamais admitiria que seu único filho vestisse roupas colantes a exibir-lhe os contornos do corpo de maneira sensual e, para ele, escandalosa. Um exagero, evidentemente. Gilsinho insistiu, chorou bastante, amofinou-se, trancado em seu quarto. Otaviano – assim o chamava quem o conhecia – tornou-se irredutível; não permitiu ao filho ser bailarino, profissão, segundo ele, de boiola.

Os anos passaram e Gilsinho confessou aos pais que queria ser cabeleireiro. Novamente o genitor, aborrecido, foi contra a opção do menino. Um pouco descontrolado, disse, alto e bom som, de tal forma que os vizinhos ouviram seus berros:

– Cabeleireiro é coisa de veado! Filho meu, não! Você precisa acabar com essas ideias malucas. Seja homem! Espelhe-se em seu pai! – disse raivoso, sob os olhares da esposa, que meneava a cabeça e alargava o sorriso, talvez discordando da propalada masculinidade do marido.

O tempo passou. Pai e filho se reconciliaram. O velho sempre que possível levava o garoto aos estádios, principalmente aos jogos em que o Vasco da Gama enfrentava o seu rival, o Flamengo, impondo-lhe humilhante derrota.

– Pai... – disse Gilson, reticentemente, temeroso quanto ao resultado do que pretendia revelar ao sisudo genitor. – Vou ser estilista!

– O que? Estilista! Não, garoto, você será, quando adulto, um executivo de grande expressão. Jamais será uma costureirazinha, isto é, um costureirozinho qualquer! – Finalizou Otaviano, irritadíssimo.

Os dias passaram com os meses consumidos em horas de intenso trabalho e de pouco lazer. As finanças da família minguaram. A alta inflação, que havia sido contida pelo governo anterior, estava gulosamente alimentada por seus sucessores irresponsáveis e populistas. Foi nesse ambiente de dificuldades e de incertezas econômicas e políticas do país, que Gilsinho cresceu, tornou-se adulto. Agora é homossexual assumido, um veado, na expressão do falecido pai, que, do Alto ou das profundezas onde se encontra, lamenta a opção sexual do único filho “homem”, atualmente sem qualquer formação profissional. Gilsinho é veado e pobre. Não faz coisa alguma, a não ser... Não é de minha conta!