Para o resto da minha vida...

...vou ter que viver comigo. Por isso é bom acostumar-me com minha companhia. Mesmo não sendo uma pessoa de gênio difícil, muitas vezes é duro agüentar-me. Tem dias em que desisto da vida, acho-a uma chatura só e me ensimesmo de tal maneira que não consigo comunicar-me nem comigo. Então permaneço calada e se não faço questão que me ouçam também não quero ouvir ninguém. Trancafio-me na couraça que é o meu corpo e dele custo a sair, tal e qual uma tartaruga. Às vezes coloco a cabeça para fora, dou uma olhada aqui e ali e enfadada recolho-me a minha obscuridade. Mas no resto até que sou gente fina, desejo bom dia, boa tarde ou boa noite aos que cruzam comigo mesmo que esteja chovendo canivetes.  Procuro ter bons modos e não me ocupo em infernizar a vida alheia embora como Sartre, tenho uma ligeira desconfiança de que o inferno são os outros. E assim pensando nem fica difícil compreender que eu também posso ser capaz de infernizar a vida alheia embora não faça disso um culto e já acho uma grande vitória conseguir não infernizar a minha própria vida. 
 

Para o resto de minha vida tenho que compreender que embora seja uma pessoa, única e individual, muitas vezes sou assaltada por inimigos ocultos que teimam em viver comigo garantindo que sou eu. Esses eus não reconhecidos se disfarçam bem e enganam as pessoas que pensam que sou eu já que se apossam de meu corpo como se fosse uma velha e confortável roupa usada que cai bem em qualquer um deles. Mas não sou eu, pois fico bem escondida e nem deixo todo mundo me (re)conhecer. Mas eu me reconheço e sei bem quem sou e é por isso que afirmo e reafirmo que tenho que acostumar-me a viver comigo o tempo todo para o resto de minha vida e isso não é coisa fácil.

Quando nasci eu vim sozinha, sozinha irei quando morrer, mesmo que esteja acompanhada e sou a única pessoa que esteve e vai estar o tempo todo comigo. Por isso é bom acostumar-me, sou uma laranja completa, não tenho outra metade para me completar e se iludem todos os que pensam que podem se enganar achando que lhes falta algo, tal como encontrar a sua outra metade. Isso não existe e se não há satisfação em estar consigo mesmo também não haverá se estiver com outro. Só ilusões.

Para o resto da minha vida vou ter que viver comigo por isso é melhor buscar no meu interior toda a satisfação que a vida possa me oferecer sem me preocupar com a satisfação que outros possam me proporcionar. Mesmo sabendo tudo isso é bom também saber que homem nenhum é uma ilha e que sempre haverá a oportunidade para se comunicar saindo de si próprio e estendendo a mão para tocar o outro.