Janis Joplin


No palco, eu faço amor com 25.000 pessoas e então vou pra casa sozinha.

Nunca conheci ninguém que me fizesse sentir tão bem quanto uma plateia.

As pessoas, quer elas saibam ou não, gostam que seus cantores de Blues sejam miseráveis. Elas querem que eles morram logo em seguida.

Você pode destruir o seu 'agora', ao se preocupar com o seu 'amanhã'.

Janis Joplin


Eu era garoto e estava ouvindo música deitado no sofá lá de casa. Talvez estivesse sonhando com uma cantora de Country Blues do Texas. No sonho, ela cantava só pra mim. Ela também gemia e gritava do fundo da alma, e meu coração ia batendo junto com o dela. De repente, acordo com a porta da sala se abrindo, e minha mãe entra como uma avalanche em direção ao velho toca-discos. Eu mal conseguia entender o que minha mãe pronunciava, já após ela ter desligado o som, perguntando se eu estava louco! Ela falava algo como "dava pra ouvir lá da outra rua", e do "respeito aos vizinhos que eram idosos"... Finalmente ela disparou contra a cantora do disco, perguntando "o que é que aquela louca tinha que parecia estar morrendo!".

Era uma vez uma menininha que morava em Port Arthur, no Texas. Ela se chamava Janis Lyn Joplin. As biografias dizem que ela era uma menina tímida e muito inteligente. Ela era leitora voraz e também pintava muito bem. Mas o que ela mais gostava era de cantar. Logo cedo começou a frequentar os bares da cidade, onde cantava por qualquer trocado ou pela bebida. Nos tempos de universidade, saiu da pequena cidade natal e foi para Austin - um grande centro no Texas - e a vida começou a mudar radicalmente. Ela começou a se afastar da vida pacata de cidade pequena e começou a beber muito e a experimentar com drogas pesadas, especialmente heroína. Ela ainda tentou voltar para casa e talvez seguir aquele caminho "normal" de casar-se e de ter filhos, mas não deu certo.

Logo depois de terminar a faculdade, apareceu uma oportunidade de fazer um teste de cantora em San Francisco para uma banda de Rock local. A menina do interior foi logo cair no coração da confusão e agito dos anos 60: lutas pelos direitos dos negros, Vietnan, guerra fria, os beatniks, hippies, tudo somado a muito LSD e Heroína. Ela foi aprovada no teste e foi por ali trilhando o caminho dela, cantando e gravando até o dia em que conseguiu uma chance de cantar no Monterrey Pop Festival de 1967, uma reunião de artistas de peso dos anos 1960, que trazia, entre outros, a banda inglesa The Who e o futuro deus da guitarra: Jimi Hendrix...

Mas não teve para ninguém naquele festival: de repente, o mundo acordou e viu uma menina de cabelos longos, que alguns chamavam de feia - mais por maldade - abrir as portas de céu e inferno com uma voz que chocou a todos! Embora a performance da garota fosse um pouco exagerada na tentativa de interpretar - sendo ela, uma branquela de 25 anos - uma Big Mama negra e ferida, ninguém pôde mais ficar indiferente àquele vulcão de emoções demandando atenção. Daquele verão de 1967 até o dia 4 de Outubro de 1970, foram três anos fulminantes, nos quais ela alcançou o estrelato, foi aclamada pelo mundo e morreu num quarto de hotel, sozinha, aos 27 anos, numa overdose de heroína.

Eu nem queria escrever essas notas biográficas, que eu não começei com essa intenção. Mas deu vontade de inserir algo tipo "momento cultural" no meio dos textos, caso encontrasse um leitor desavisado no assunto. O motivo de começar a escrever hoje era o de encontrar uma resposta. Na verdade, nunca acredito que vou achar resposta nenhuma - apenas por escrever - mas sempre acabo escrevendo, naquela de "crer contra a esperança"... A idéia era responder à minha mãe, uns bons vinte anos depois, algo que nem tentei na época: "o que é que aquela louca tinha, que parecia estar morrendo". Já se foram muitas audições, leituras e bebedeiras tentando encontrar, nas entrelinhas daquela nota biográfica acima, onde é que aquela menina doce do Texas foi buscar aquela dor, mas certamente a resposta é complexa. Eu até confesso que já não ouço muito Janis, pois quando o faço essa menina sempre me acerta uma veia lá dentro que acaba por me fazer beber mais do que devo.

Hoje analisando suas falas, deu pra entendê-la um pouco melhor. Primeiro, ela com certeza foi um receptor ultra-sensível da época . Além dos problemas da guerra, havia aquela questão que era a segregação dos negros. Não teria a menina branca do Texas tomado as dores, ao ponto de se tornar um deles? No começo, coisa diferente para uma texana, ela não apenas cantava música negra, mas era contra qualquer segregação. Se ela queria ser sincera ao cantar Blues, ela talvez achasse que tinha que ser como um negro, o máximo que pudesse, ao menos no sentimento. Em uma entrevista, ela diz que os brancos nunca cantavam como os negros, porque os brancos não se permitiam, não se entregavam. Talvez por isso, antes de Janis nunca uma branca conseguira cantar Blues do jeito que ela cantou, com tanta dor e força. Já é um chavão dizer isto, que ela foi a cantora branca mais negra de todos os tempos. Mas, às vêzes, foi até mais negra do que as negras, quando, por exemplo, gravou "Summertime", um clássico da música americana que, embora tivesse sido composta por um branco, era uma canção de ninar de uma ama negra para um bebê branco. Muitas brancas e negras já haviam gravado, mas, depois de Janis, poucas têm se aventurado a tentar de novo...

Segundo, Janis também incorporou as lutas de emancipação da mulher, pelo respeito à mulher e, para escândalo de muitos, pela liberdade de amor e sexo que qualquer homem tinha, o que certamente ainda é tabu, tudo com um conhecimento de causa absurdo para alguém tão jovem. Ela parecia uma anciã quando chegava perto de um microfone, tamanha sabedoria e arte. Ela era também chocante para muitas meninas de classe média, que a tinham por louca, destrambelhada ou masculinizada. Era impressionante o quanto Janis feriu o conceito de que as mulheres tinham de ser pacatas e 'do lar' e que não tinham capacidade de vencer no showbiz só com o talento delas. Quando uma mulher sobe no palco sozinha hoje, deve sempre olhar pra trás e agradecer a Janis.

Também, sua música não era apenas uma roedeira de uma menina mal amada. Era movida por um amor enorme à vida, num mundo completamente contrário a isso, cheio de guerras frias e Vietnans que estavam matando jovens aos milhares. Mas, como é claro nas citações no começo do texto, o palco era o lugar para realizações antes impossíveis de amor e retribuição, embora ela reconhecesse que tudo era ilusão, constatado no arremate da declaração: "e vou para casa sozinha".

Por fim, hoje o que mais me comove é sua coragem em se assumir como ela era , como também seus momentos alegres e de bom humor vindos de quem estava vivendo a vida a mil por hora, e adorando. Por outro lado, ainda admiro a força de suas interpretações, que sempre foram fruto de uma abordagem corajosa, de enfrentamento contra as desgraças da vida, uma visão, é certo, totalmente existencialista de viver somente o 'Agora', pois o 'Amanhã', para pessoas como Janis, era apenas uma ficção. Ela, assim, nunca negou sua inspiração Beatnik de ser uma mulher culta, que pregava o amor livre e a consciência livre de impedimentos e tabus, ao mesmo tempo, profundamente influenciada pelo pensamento cético e desilidudio do pós-guerra. Não sei se essas reflexões me deixam mais perto da resposta a "o que é que aquela louca tinha que parecia estar morrendo" mas, certamente guardo Janis como alguém que me ensinou a viver pra valer, como também dizia o Poetinha Vinícius, "cuidado, companheiro, a vida é uma só"!!! Mas, enfim, tenho também sempre em mente a risadinha marota que ela dá no fim da faixa "Mercedes Benz" - uma oração nada ortodoxa a Deus - gravada poucos dias antes da morte dela, que ainda é uma das coisas mais gostosas que esta mulher incrível que foi Janis Joplin deixou.


 
Anos depois, minha mãe leu um artigo sobre Janis e sua música numa revista. Ela ficou muito impressionada e lembrou que eu tinha uns discos daquela "maluca" na estante...Só por curiosidade, ela foi até lá dar uma conferida...

Naquele momento, eu estava descendo de um ônibus lá perto.... Quando eu vinha me aproximando de casa, ouvi uma voz familiar, vinda de minha casa, cantando nas alturas de meu velho toca-discos...Ao entrar em casa me deparo com minha mãe deitada no mesmo sofá no qual eu gostava de ouvir música...Ela me olhou ainda com algumas lágrimas nos olhos, e... me pediu perdão...
R Leite
Enviado por R Leite em 21/04/2011
Código do texto: T2921767
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