A GRANDE GREVE DO PÓLO PETROQUÍMICO DE CAMAÇARI – UMA HISTÓRIA DO BRASIL (4)

[Naqueles “anos de chumbo” eu residia no Largo de Santo Antônio além do Carmo (Centro Histórico de Salvador) em frente à Casa de Detenção que na época ficava no Forte de Santo Antônio, o outro lado da praça, onde presos políticos eram torturados. Da minha casa se ouvia gritos e gemidos daquelas pessoas que eram submetidas a torturas. Era terrível, pois tínhamos conhecidos que desapareceram sem dar notícias. Um primo e afilhado que na época residia no mesmo bairro se sentia horrorizado com aquela situação presente em nossas vidas.]

A COPENE que também era a Central de Matérias Primas as fornecia não só para todas as fábricas do Pólo Petroquímico de Camaçari como as exportava para outras indústrias petroquímicas do Brasil e do exterior. Por isso mesmo os seus funcionários sofriam terríveis repressões, com certeza partidas das autoridades federais, já que a COPENE pertencia à PETROQUISA, portanto ao Governo Federal. A direção da COPENE já reprimira os empregados por nove anos sob a pena de terem de pagar todos os custos do curso ministrado aos operadores e estava segura de que todos estavam dominados. Todos aqueles das outras fábricas tinham profunda certeza de que os trabalhadores da COPENE não iriam participar da luta.

[Em 1984 todos os trabalhadores das indústrias do Pólo começaram a sentir o recrudescimento das pressões exercidas pelos empresários, atiçados pelo estado brasileiro ditatorial e pelas forças do “carlismo” que no momento imperavam em toda a Bahia. Tudo indicava que na Bahia a ditadura era mais truculenta que nos outros estados brasileiros. Nesse ano já se planejava uma greve geral que paralisasse todo o Pólo Petroquímico e demonstrasse a todo o país a força desses trabalhadores cuja politização fora adquirida pela excelente educação ministrada pelas escolas públicas baianas antes da ditadura. No intuito de realizar uma movimentação monstro foi planejado um grande inchaço. Tomaram a frente os companheiros Harry, Jorge Braga, Bento Sergio e eu, esperando contar com a adesão dos demais companheiros, mas as forças da repressão dentro da COPENE os desencorajaram e ficamos somente nós quatro como “bois de piranha”. Ao chegar o próximo grupo de trabalho, os companheiros ficaram cientes que ainda não seria dessa vez que a COPENE tomaria uma atitude concreta.]

Por força dessa repressão os trabalhadores que tomaram a liderança formaram um “comando de greve”. Nem mesmo os partidos de esquerda, junto com as entidades que os apóiam (CUT, CGT) nem o sindicato da categoria tinha consciência do que estava para acontecer. Nesse comando havia aqueles que participavam das reuniões decisórias e outros que agiam nos bastidores. Da cúpula desse comando participaram os companheiros Edson Coelho, Ubaldo Teixeira, Harry, José Fernandes, Nivaldo Lima, Prado, Romário dentre outros. A última reunião do comando foi na “célula” que se situava no apartamento do companheiro Edson Coelho no edifício Crescenciano, na Ladeira do Funil. Foi nessa reunião que elaboraram a senha que decidiu o horário do início do movimento de parada operacional da COPENE dando início ao grande movimento grevista do primeiro Pólo Petroquímico parado (em greve) do planeta.

Às 23 horas do dia 26 de agosto de 1985 começou na Central de Matérias Primas da COPENE a operação inchaço. Os operários do grupo de trabalho A chegaram para substituição dos operários do grupo de trabalho B que haviam trabalhado no turno da tarde e continuaram na fábrica. À meia noite o pessoal do grupo A dividiu todo o lanche com o grupo B que permaneceu. Às 7 horas da manhã do dia 27, apareceram os operários do grupo C que deveriam substituir o grupo A, que permaneceu também na fábrica. Foi um momento de extrema tensão e emoção para aqueles heróis que demonstraram superioridade, força e coragem. Muitos operários do grupo de trabalho D, que estavam de folga, compareceram e permaneceram do lado de fora da fábrica.

Por segurança, conservaram funcionando a Central de Utilidades (UTIL) que fornecia vapor, água, ar de serviço e de instrumentos, energia, oxigênio, nitrogênio e hidrogênio para todo o Pólo. Os operários tinham consciência da importância do funcionamento da UTIL. A ação dos grevistas amedrontava e intimidava a ação da Polícia Militar da Bahia que temia atitudes intempestivas dos grevistas que estavam acuados num clima de constante medo.

Às 10 horas da manhã do dia 27 se via de todo o Pólo Petroquímico de Camaçari o “flare” (a tocha) aceso que era o sinal, “a senha”, de que todas as empresas tributárias da COPENE também teriam que parar. Quando os trabalhadores das outras empresas do Pólo notaram o “flare” (a tocha) aceso queimando os resíduos, sentiram que os empregados da COPENE realmente haviam aderido ao movimento.

Os operários baianos pararam todo o Pólo Petroquímico de Camaçari, indústrias que compunham o Complexo Básico do Pólo, sem o envolvimento da chefia ou do próprio sindicato que era contrário ao movimento paredista. O Pólo Petroquímico possuía sua mão de obra altamente especializada e politicamente ativa.

[A parada das indústrias do Pólo Petroquímico de Camaçari foi minuciosamente planejada pelos trabalhadores que organizaram células para discutir as melhores maneiras de parar sem prejuízo de pessoas e equipamentos. Inicialmente o sindicato da categoria não assumiu o movimento por ser contra, talvez até por não confiar na habilidade dos trabalhadores que estavam organizando a greve. Mas teve que defender a categoria depois que notaram que as indústrias estavam realmente fora de operação. O que parece, o medo partia apenas do SINDIQUIMICA, pois os trabalhadores estavam firmemente decididos.]

Com a greve os empresários montaram um completo arsenal repressivo inclusive com proibições drásticas das publicações de imprensa, um completo cerco para manter o povo desinformado. Todos os ativistas foram mapeados e no primeiro momento demitiram 186 trabalhadores. Outros trabalhadores constantes das listas foram demitidos gradativamente até o mês de dezembro do mesmo ano.

Vendo paralisadas todas as indústrias do Pólo, o SINDIQUÍMICA teve que assumir a greve, amparando inicialmente os trabalhadores. No dia 30 de agosto de 1985, o Tribunal Regional do Trabalho julgou a greve legal, numa Sessão Extraordinária. Mesmo assim continuaram as perseguições.

Desde 1984 os empresários do Pólo organizaram uma lista de demissões daqueles que tinham nível de politização e necessitavam demitir todos os principais ativistas e delegados sindicais na tentativa de enfraquecimento dos movimentos que foram surgindo sucessivamente.

[E lógico que eu não presenciei os movimentos nas outras fábricas do Pólo que fizeram a greve. Sei que houve vários movimentos paredistas que passaram despercebidos em diversas fábricas e as empresas, COPENE, NITROCARBONO, METANOR / COPENOR, PRONOR, POLIALDEN, ACRINOR e ESTIRENO, participaram diretamente da grande greve de 1985, mas para ter o efeito cascata que paralisou todo o Pólo, só foi possível com a parada da COPENE, que é a Central de Matérias Primas. Por isso a repressão na COPENE era maior. Ninguém imaginaria que a COPENE um dia fosse parar apesar de toda aquela repressão, justamente a COPENE que na época era uma empresa estatal (pertencente à PETROQUISA) controlada diretamente pelos generais. Segundo documentos do Arquivo Nacional, foram demitidos inicialmente, no dia 4 de setembro de 1985, cerca de 186 trabalhadores, todos eles por “justa causa” e nos meses posteriores até o mês de dezembro foram havendo demissões sucessivas para driblar as decisões do Tribunal Regional do Trabalho.]

O governo do estado da Bahia se encarregou de esconder o movimento paredista que parou todas as indústrias de Camaçari por quinze dias proibindo a imprensa de publicar notícias sobre essas atividades que estavam se desenrolando em Camaçari. Quem publicasse ou sequer ousasse tornar pública essa notícia para Salvador ou para o resto do Brasil sofreria sanções drásticas. Sabe-se que com a participação dos patrões, do governo estadual e do próprio Estado brasileiro, juntamente com a DIVIN da Petrobrás foi forjada uma “lista negra” vigente em qualquer parte do território nacional. A indústria petroquímica envolve divisas para o país e por esse motivo os patrões perseguiram os trabalhadores grevistas para que nunca mais se empregassem, servindo de exemplo àqueles trabalhadores remanescentes e para que novos empregados nunca ousassem participar de movimentos paredistas.

Portanto, nesse cenário os trabalhadores passaram a buscar a sua volta para o mundo da indústria química e petroquímica. E o resultado disso é que a maioria esmagadora não conseguiu retornar, fruto desse bloqueio, dessa restrição, desse comando organizado, desse cadastro organizado nacionalmente.

Se os trabalhadores não tivessem feito a greve do Pólo em 1985, mesmo sem o apoio do SINDIQUÍMICA, não teria surgido tantos personagens que se aproveitaram para se auto-promoverem e se auto-declararem os “pais da greve”, mesmo sem participação alguma. A greve de 1985 foi uma greve sem rostos, foi uma greve de todos aqueles que se organizaram para torná-la possível. E nesse contexto muitos companheiros que não participaram dessa luta tiraram proveito do movimento, conseguindo atingir altos cargos na hierarquia baiana, demonstrando que muitos homens poderão tender às alternativas que lhes são de interesse.

Até o momento muitos lutadores dos movimentos da década de 80 estão excluídos da sociedade, vivendo no ostracismo à espera da tão propalada anistia.

A greve de 1985 mudou completamente as relações de trabalho no Pólo Petroquímico. Houve retaliações, houve demissões em massa, mas aqueles trabalhadores que não foram demitidos se beneficiaram por mudanças radicais.

Vemos hoje, com muita vergonha, o Brasil como o país da impunidade, do “jeitinho brasileiro”, dos “panos quentes”, onde criminosos ousam levantar a voz para declarar que sentem orgulho das atrocidades cometidas, ao tempo em que sabemos que no Uruguai, Chile, Argentina os assassinos sofreram merecidas penas e a justiça acabou com a carreira desses algozes.

Mas aqui na Bahia a gente parece que ainda vive resquícios daqueles “anos de chumbo”. É um estado que se diferencia enormemente dos outros estados. Apesar de algumas conquistas em nível nacional, vivemos o drama da perseguição, da tentativa de tolhimento das liberdades, haja vista os arquivos que foram queimados recentemente no aeroporto, na base aérea de Salvador. Nestes arquivos, que certamente relatam todo um processo de luta durante a ditadura militar e também a luta dos trabalhadores, está a verdadeira história.