NOSSO DESTINO É IGUAL AO TEU
Fátima Irene Pinto
 
Nasceste um dia puro feito nascente cristalina e começaste a escoar.
 
Quando ainda riacho, já sabias que para ser adulto precisarias tornar-te um rio e precisarias agrupar-te com outros irmãos. Precisarias fazer contornos difíceis pelas montanhas, aprender a despencar-te de altos despenhadeiros e seguir em frente, mesmo que assustado pelos mergulhos nos abismos e pelo impacto das imensas pedras pontiagudas.
 
Sabias que num dado momento serias detido por enormes diques que te impediriam o avanço, colocando-te numa inércia desesperadora, pois um rio não nasceu para ser detido, um rio tem sede e tem pressa de chegar ao mar.
 
Suportaste o cativeiro até que te liberassem as comportas, de forma a poderes seguir o teu destino.
 
Mais adiante começaste a perceber que jogavam-te detritos sem nenhum respeito por ti.
Eram esgotos nojentos das cidades, eram detritos e restos venenosos que precisavam ser eliminados das empresas ribeirinhas.
 
Foram, aos poucos, matando a vida em ti. Já não era mais possível ver a beleza das matas ciliares em tuas margens verdes, alegres, repletas de vida. Teus peixes apareciam mortos na superfície.
 
Não havia mais pescadores nem crianças banhando-se em tuas margens, outrora tão limpas.
Os animaizinhos que porventura viessem beber de tuas águas, morriam.
 
Mas tinhas imensa necessidade de chegar ao mar porque este é o destino de todos os rios...e assim, prosseguias o teu caminho, ainda que totalmente aviltado, muitas vezes sem entender porque te poluíam, porque te embargavam, porque mudavam o teu curso.
 
Chegaste então ao alto posto e ao ápice de atravessar a capital do reino dos humanos. Os mesmos humanos que te matam e depois se esmeram nos cartões postais para exibir-te aos estrangeiros, pintando-te de falsas cores azuis, como se pudesses ainda refletir o azul do céu.
 
Humanos que pintam também de azul, o céu dos cartões postais para esconder os tons foscos, amarelados e sombrios dos agonizantes.
Se ao menos as espumas brancas e letais da tua superfície pudessem ser reflexos das nuvens!
 
E ainda assim, mesmo agonizante, desvalido e mal cheiroso, nada podia deter em ti a sede de realizar teu supremo destino: chegar ao mar!
 
Mas vou confessar-te um segredo, meu amado rio.
Nós humanos - supostamente poderosos e donos do mundo - temos um destino igual ao teu.
Lá no íntimo de nosso ser queremos, depois da imensa batalha da vida, chegar a Deus, assim como tu queres chegar ao mar.
 
A diferença, meu amado rio, é que tu nunca perdeste o foco nem perdeste de vista o teu sonho maior, enquanto nós humanos, fomos tomando tantos atalhos tenebrosos, ficamos tão enredados e sitiados em nossos próprios desvarios, que perdemo-nos do objetivo principal ... já não sabemos mais como chegar a Deus!
 
Descalvado - SP - 24.04.2011
Imagem:
Salto do Pântano
em Descalvado
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fátima Irene Pinto
Enviado por Fátima Irene Pinto em 25/04/2011
Reeditado em 26/04/2011
Código do texto: T2929505
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