Meu mundo e o mundo deles

Ligo a TV e vejo o noticiário. Notícias rotineiras. Na Tijuca uma perseguição louca da polícia a um carro repleto de bandidos trocam tiros em plena Conde de Bonfim. Na Rocinha mais uma vez a polícia troca tiros com traficantes. Uma pessoa é assaltada por dia em pontos de ônibus localizados no Aterro do Flamengo. Uma jovem se atira da cobertura de belo edifício do Leblon. Trombadinhas no Largo da Lapa assaltam uma senhora e a ferem com um canivete.

Desligo a TV e resolvo sair. Prefiro a diversidade das ruas à rotina da midia, que tenta invadir nossa mente com seus venenos. Prefiro a companhia de pessoas de verdade. Desço a Gomes Freire e viro na Rua do Conde - Visconde do Rio Branco - e, novamente viro na Regente Feijó. Delícia de sebos. Tem o sebo do Manoel, o da Candinha, do Gil, do Roberto e do Luiz. Todos eles me recebem com sorriso na boca. O Gil me da um abraço apertado e me mostra um livrinho delicioso. "Cara, você acredita que encontrei esse livro no mercado das pulgas com um bêbado?" O Gil me contou como conseguira comprar uma obra raríssima, dádiva do mel dos deuses. Dádiva de Baco. "Quanto você quer nele?" Realmente, o Gil é um grande negociador, saí com a jóia de João do Rio e o Gil ficou com alguns tocados que eu tinha intenção de comprar o leite na volta para casa. "Que se dane o leite, meu amigo! Falo de João do Rio!" Quando o Gil argumenta, eu sempre me rendo.

Percorri todas as ruas, todas as pessoas, crianças, mulheres, velhos, moças, camelôs, lojas, livrarias. Encontrei o Castelo discutindo sobre Hegel e Marx. Vi aquela veia na altura do pescoço do velho Castelo, sabia que estava nervoso, ele adorava desmascarar os adoradores de Hegel e Marx. Não estava afim destas brigas incessantes da humanidade. Não queria problemas, deixa os problemas para a midia.

Resolvi atravessar a baía. Só por atravessar. Quis ver o Rio de longe, lá doutro lado. Queria ver o Rio como Araribóia via. E a cada onda que nos afastávamos meu coração ia se enchendo de ternura e saudade. Forçava-me a resistir. Era como se não fosse voltar mais. Vi o Corcovado, o Pão de Açúcar, o Cândido Mendes. Quando pisei em Niterói me acalmei, pois podia contemplar, sempre que quisesse, minha querida cidade. Foi quando percebi que o livrinho de João do Rio ficara na barca. Tudo era tolerável. "Que se dane João do Rio! Ele teve seu tempo, agora é minha vez!" Lembrei do Castelo, cheio de veia e eu aqui na sua terra e ele lá, na minha. Uma menininha me olhava curiosa, depois que percebi que estava rindo que nem um idiota.

Resolvi voltar para a terra de Estácio de Sá. Vi o Castelo entrando no terminal das barcas. Ainda bem que ele não me viu, estava cansado. Não queria nada com estas intrigas tolas humanas. Entrei na antiga igreja da Sé e encontrei ali um anjo preguiçoso descansando do seu dia-a-dia. Ele me sorriu e disse: "Não é só você que ama, não!" Sim, eu sei. Sei que há muitos como nós. Aprendi que quando estamos na casa dos outros devemos nos comportar, sem levantar polêmicas. Não resisti e perguntei-lhe: "Ei, anjo, o trabalho é duro no Rio?" Ele me respondeu: "Sim, mas sempre tem onde nos deleitarmos. O mais danoso do meu ofício é esconder-se de Deus, esconder este amor, entende?" Sorri, porque nossas almas eram irmãs. Perguntei-lhe: "Você também teve um chamado?" Nisso apareceu o vigário e o anjo vadio evaporou-se pelas entranhas da Sete de Setembro.

Saí da antiga Sé. Fiz um lanche e segui para casa. E descubri uma verdade. Uma verdade? Palavra dura, não? Mas descobri que realmente não existem fatos, existem histórias. Dependendo de como vai seu amor assim vai sua razão. Se você ama, sua razão também ama. Se você não ama, sua razão sofre influências diversas dos inimigos do amor. Entendi que o amor que tenho por minha terra, me faz viver histórias maravilhosas no dia-a-dia. E isso não é irreal, ilusão, mentira. Pois a única verdade que existe é aquela em que acreditamos.

Quando cheguei em casa a TV estava desligada.

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 17/11/2006
Código do texto: T293676
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