Queria ter podido te escrever uma carta boa, te pedindo para que dês um beijos grande em Luciana pelo seu primeiro ano de vida

                                            (final de carta de Vinícius para sua mulher Lila Bôscoli 1957)


          Tudo bem, já vou confessando que sou sentimental. Também sou viciado em ler cartas. Ultimamente venho lendo correspondências entre Mário de Andrade e Fernando Sabino, e daquele com Drummond.  Mas uma aquisição importante que fiz nos últimos dias foi a correspondência de Vinícius de Moraes selecionada por Ruy Castro.

          O que me fez escrever hoje não foi, exatamente, comentar as cartas do poetinha, um cara que sempre amei de paixão. Fui criado ouvindo Vinícius todos os fins de semana, na casa de meus pais, tudo sempre bem regado a uísque e bons papos, daí a curiosidade, depois de ler biografias e poemas, de mergulhar na correspondência pessoal para conhecer mais a fundo o poeta. O lado mais interessante é testemunhar seu processo de criação artística compartilhado com os amigos. Mas é claro que o lado pessoal e familiar do homem acaba vindo à tona nesse tipo de coletânea.

          É nesse lado familiar, e ao mesmo tempo existencial, que me apego hoje, por uma triste coincidência: eu havia parado de ler ontem à noite na carta em que Vinícius escreve de Paris para a mulher, que estava no Rio de Janeiro. Ele singelamente manda um beijo para a filhinha que completa um ano de idade e se despede. Aí, hoje pela tarde, por estes caprichos da vida e da literatura, abro as páginas da internet apenas para reencontrar a menina da carta, só que desta vez morta, depois de se jogar de uma varanda de apartamento...

          E o que é que me fez escrever hoje, mesmo? Não sei, mas, no mínimo, é para compartilhar da tristeza e desconforto dos que sobrevivem para testemunhar a partida dos outros. Num  dia, você acompanha um pai escrevendo e mandando beijos para a filha de um ano, ou seja, tudo é harmonia, é futuro, é esperança e boa sorte, apenas para, no dia seguinte, esbarrar no fim trágico da mesma criança que se fez mulher, tudo isso me sentindo como se fosse imortal ou um deus triste e cansado de ver tudo.

          Enfim, de um dia para o outro de minha vida passaram-se cinquenta e cinco de Luciana de Moraes! Não sei sinceramente o que deu errado no percurso de Luciana, mas espero que ela tenha aproveitado seu tempo que, para mim, foi apenas uma noite. Que ela agora tenha descanso. Realmente, hoje foi um dia longo e triste pra mim e espero que a família Moraes encontre paz neste momento difícil. Eu, por aqui, vou continuar a ouvir Vinícius com este uísque que entorno agora, tentando – vai ser difícil – voltar ao Rio de Janeiro de 1957 e continuar a acompanhar Luciana – como é dito em outras cartas – trelando com seu velocípede pela casa toda...
 
 
 
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R Leite
Enviado por R Leite em 29/04/2011
Reeditado em 30/04/2011
Código do texto: T2937638
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