Dona Felicidade não é um mito.

Desde pequena eu ouço a minha queridíssima madrinha, a tia Norma, falar da dona Felicidade. Bastava a gente sentir o corpo meio cansado, estar desanimada ou com muito sono, ela rapidamente dizia: ”é quebrante, filha. A madrinha vai te benzer”. E benzia mesmo e logo a gente ficava bem, com a vida em ordem, bem mais disposta. Eu sempre achei interessante essa coisa de benzimento. A Madrinha reza diante de um prato de água fazendo o sinal da cruz e depois coloca 5 gotas de azeite Galo também em forma de cruz. Se as gotas se abrem, não tem jeito: é inveja na certa. Se demoram muito para se abrir, o quebrante é antigo. E logo vinham os conselhos: “faça como dona Felicidade, filha. Se alguém quiser saber da tua vida, diga logo que tudo vai mal.”

Os anos foram se passando e, vez ou outra, lá vinha mal-estar e a madrinha rapidamente era acionada. Depois o mesmo conselho : era para seguir os passos da dona Felicidade.

Eu imaginava que tudo não passava de uma fábula, das muitas que a minha madrinha sempre gostou de contar. Até que um dia não teve jeito: uma colega de colégio resolveu colocar alunos contra mim. Só que no escuro, sem que eu soubesse, nas entrelinhas, nas mentiras e tantas invenções. Orientava e inventava situações para que as queixas fossem parar nos ouvidos da coordenadora. A minha querida colega, quintessência do mau-caratismo e do total despudor, me pôs um olho gordo desgraçado! Pedi ajuda prá tia Norma. Me benzeu trocentas vezes até que as gotas permaneceram fechadas naquele prato raso. Foi aí, naquele exato momento, que ela me revelou: a dona Felicidade era uma quitandeira de Santos, nas primeiras décadas do século passado. Sempre se queixava da vida a qualquer pergunta aparentemente inofensiva e desinteressada. Dizia que os negócios iam sempre mal e que não havia mais solução ... Quando ela morreu todo o segredo da dona Felicidade foi revelado: era uma quitandeira muito cheia do dinheiro mas que chorava a miséria para afastar os maus fluidos. Era essa a dona Felicidade que a minha tia historicamente havia se referido! Depois de quase cinco décadas, descobri: dona Felicidade não era um mito!

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 29/04/2011
Reeditado em 16/08/2011
Código do texto: T2938917