AQUI SE FAZ, AQUI SE PAGA !

Feliz foi meu avô, que nunca teve em casa esta parafernália eletrônica moderna: tv, som, computador e seus mil e um botões para azedar-lhe a vida. Alguém já diagnosticou, acertadamente, que padeço de 'anemia mental profunda' - porque só algo assim pode explicar minha ojeriza a tais equipamentos. Sinceridade? Se dependesse de mim essa bugiganga não passaria da porta, a menos que possuísse um solitário e útil botão, tipo: liga-desliga. A máquina dever servir ao homem e não o contrário!

Qualquer tarde destas, meu filho mais velho assumindo certo compromisso inadiável, e no mesmo horário havendo que gravar uma entrevista da televisão – embora ciente das trapalhadas que apronto –, pediu-me encarecidamente que lhe quebrasse tal galho. Em vão tentei me esquivar, brandindo a desculpa esfarrapada de meu folclórico desajeito no manuseio destes monstrengos. Mais por necessidade que paciência, ele se prontificou a redigir um breve manual com a ordem da botãozeira a ser digitada.

Me conhecendo, como a duras penas a idade ensinou-me a conhecer a mim mesmo, apesar do esquema montado - conquanto não seja pessimista - tive a firme convicção de que algo não sairia nos conformes. Ele me animava: seguindo o roteiro traçado, dá certo! De início, a operação envolvia um aparelho de tv conectado a outro de gravação em fita VHS, somando ambos a modesta quantia de vinte malditos botões. Brabo pra valer, ficava na hora que os controles remotos entravam em ação: nada menos que cinquenta deles piscavam desafiadores às minhas fuças, separados por cores e funções: vermelhos, azuis, amarelos... ligar, desligar, gravar. O escambau! Com o maior cuidado do mundo, na hora marcada lá estava eu e minha débil confiança para gravar a imperdível entrevista, observando fielmente os preceitos enunciados na folha de papel: 1- Ligar o cabo de energia na respectiva tomada elétrica da parede (elementar, mas não pra um 'mané' que nem eu!). 2- Apertar a tecla 'on', azul, do controle da tv. 3- Pressionar o botão 'enter', preto, do painel do vídeo... E assim outros 19 ‘passos’!

Ao término do programa, restando-me apenas clicar a tecla ‘stop’, vermelha, quase nem acreditei na proeza, embora nos dias de hoje qualquer criança do jardim-da-infância faça aquilo de mãos amarradas e olhos vendados! E desmentindo toda uma vida de amarguras e xingos – ante os aparelhos eletrônicos -, por instantes considerei seriamente a hipótese de gravar os gols do campeonato brasileiro de futebol. Ledo engano! Ao dia seguinte, quando meu filho veio assistir a entrevista, haja decepção! A coisa fora gravada somente pela metade, pois naquele movimento de pressiona e libera botões, evitando as propagandas, descuidado o jegue aqui houvera indevidamente esbarrado na fatídica tecla SP-SLP – fazendo a fita rodar em velocidade acelerada...

Talvez porque não creia em quase nada deste mundo, e sobretudo desacredite que exista outro, assim paguei por pecadilhos de antanhos. É que nas agências bancárias onde trabalhei havia um costume do qual fui devoto-praticante: passar trote em colegas novatos! Tão logo se aboletava atrás da escrivaninha, o coitado era mandado à tesouraria, procrurando por um certo alicate de puxar saldo! Dali, o tesoureiro, igualmente farrista, encaminhava o neófito aos guichês de caixas, indagando então pela indispensável máquina de calcular diferenças. Ainda na 'bateria', nunca faltava quem convencesse o infeliz a subir até o setor de empréstimos, à procura de algo como carbono pautado de duas faces... No final da jornada, tonto pelas andanças, sempre alguém lhe cobrava - à vista - por uma assinatura do Jornal do BB, que nunca circulou! Com o dinheiro, fechada a agência, saíamos todos até o primeiro boteco, onde o batismo se encerrava dizendo-se ao novo colega que ele passara no teste, e que fizesse o mesmo com o próximo a tomar posse... Aqui se faz, aqui se paga!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 01/05/2011
Reeditado em 25/04/2012
Código do texto: T2941883